tag:blogger.com,1999:blog-43966942098727408602024-03-13T06:18:21.852-07:00As ordens da desordemUm blog de e sobre literatura, por Breno Kümmelbrenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.comBlogger87125tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-71633034913770109002018-08-11T16:30:00.002-07:002018-08-11T16:30:26.575-07:00MediumAh, meus textos agora estão aparecendo no medium, caso alguém por aqui não esteja avisado disso ainda.<br />
<br />
https://medium.com/@brenokmmelbrenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-48915777110137321382017-08-07T10:03:00.003-07:002017-08-07T10:05:57.170-07:00Sobre Noite dentro da noite, de Joca Reiners Terron<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O cadáver de um gato pode ser apreendido tanto como a coisa
mais distante quanto a coisa mais próxima que se pode ter de um gato. A morte é
tanto a definição quanto a anulação da vida, todo ser vivo é mortal. A escrita
consagra e encerra os assuntos por ela discutidos, por mais que se faça um
parágrafo final protocolar convidando a discussões posteriores. Uma membrana
cria a separação e mantém o contato entre duas substâncias diferentes,
vizinhas.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O fascínio racionalista do ser humano encontra em poucas outras
coisas além do quebra-cabeça um exercício que esteja à altura de seus delírios
de dominação. Milhares de pequenos pedaços que por si só dizem nada ou quase
nada, um pouco de uma curva de um queixo erguido para retrato demorado, o
espaço escuro entre uma maçã e uma pera em cima de uma mesa de um anônimo, um
branco indefinido que pode ser tanto parede quanto paisagem, mas com sagacidade
e paciência (os mais pacientes afirmariam que a paciência seria a principal
inteligência, ignorando a rima irritante) é possível recuperar depois de várias
horas a totalidade da imagem e do sentido. É a capacidade humana concentrada em
seu ímpeto incansável de domar o universo: podemos colocar o mundo sob nosso
controle, se nos esforçarmos no sentido certo.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O universo, sim, cede alguns centímetros, talvez apenas para
nos entreter, ou se entreter, ou, muito mais provável, indiferentemente,
sabendo ou não que seu principal, o improvável, o irrazoável, o caos, não está
a alcance do nosso controle. As questões que ficam sem solução não por falta de
inteligência, ou esforço, ou recursos, e sim apenas por não ser o tipo de
questão que tenha resposta, ou resposta recuperável, essas não são alvo de
discussão ou deliberação razoável, está nas mãos de um Deus que cada vez mais
convence menos pessoas de sua existência.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O cerne principal do Noite dentro da Noite me parece ser
esse. Uma subversão profunda e estrutural das expectativas da lisura de um
entendimento pleno. Narrativas de origem
pessoal, de resistência política, de espionagem, como quase todas os outros
gêneros, partem do princípio de um movimento da ignorância para o conhecimento,
do errado para o certo. A vida, no entanto, não propicia esse movimento com a
naturalidade das narrativas, e talvez seja essa a justificativa da existência
dessas histórias, a capacidade que têm de em parte acalmar temporariamente
esses anseios sem correspondência. O alemão que apesar de sua aparente vida de
homem comum NA VERDADE trabalha para o nazismo, o garoto que apesar de ter sido
criado para tomar como normal todas as injustiças sociais de seu mundo NA
VERDADE entende o sistema capitalista e resolve combatê-lo, o homem que segue
sua vida estudantil e profissional dentro das expectativas NA VERDADE
precisaria desvendar vários segredos a respeito de seu passado para recuperar
seu Eu Legítimo. A normalidade anterior, errada, na verdade seria suplantada
apenas para a substituição de outra, talvez mais correta ou bonita, mas ainda
assim dotada de uma estabilidade de entendimento perfeito.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O instrumento que temos a nossa disposição para construir
uma imagem de mundo que nos possibilita a sobrevivência, essa víscera em forma
de noz (em uma das vívidas e brilhantes expressões do romance), até consegue
enganar por longos períodos no que diz respeito sua capacidade de captar a realidade
de maneira completa. Afinal, é o cérebro que conta e ouve a história, o
enganador e o enganado. É ele que rege e depois entende por normal e razoável o
mundo que o ser humano criou para sua própria espécie. Que produz esquecimentos
aparentemente sem qualquer critério, a ponto de esquecermos o que esquecemos.
Dependurado por inteiro nesse órgão frágil, falho, o mundo na verdade é bem
mais movediço do que pode parecer.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O romance, claro, evoca temas condizentes com essa estrutura
instável para sustentar sua complexa construção de realidade. É o que requer a
empreitada literária, um ponto fixo para determinar as movimentações violentas
do resto do livro. Um acidente em que o garoto bate a cabeça, a epilepsia, o
trauma, as torturas. O estabelecimento de um estrato onírico subjacente aos
acontecimentos, uma liberdade unidirecional, só para baixo, mantém um tom de um
pesadelo permanente. A ambientação do pântano, o terreno em que nem mesmo o
chão é confiável, sendo alternadamente terra ou lama ou água, ou barranco de
queda perigosa, numa umidade em que o próprio ar parece água, nunca vem a ser descritivamente
substituída por outras quando a história carrega os personagens para outros
lugares como o Rio de Janeiro, ou Buenos Aires; a única exceção vívida sendo a
surrealista neve vermelha de Medianeira. Os porões de tortura, literais ou
figurativos (a violência a céu aberto, testemunhas caladas pelo medo da morte ou
pela morte), suscitam também outro grau de incerteza, a das confissões
arrancadas a alicate, a princípio entendidas como verdades absolutas
desenterradas que em vez disso são qualquer fala que faça com que a tortura
acabe, diferentes sessões com um mesmo aprisionado revelando verdades diferentes,
desesperadas, sondagens para ver quais seriam as palavras mágicas para qualquer
libertação. A única palavra máxima para tratar o momento, no entanto, seria
inútil: azar. Azar de nascer onde ter nascido, de ter desenvolvido alguma
consciência do absurdo do mundo e, sobretudo, azar de ter sido capturado. Azar
de se ver cercado ou refém dessa criatura mesquinha, violenta e cruel que é o
ser humano.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
Com essas complicadas bases de realidade fundando o romance,
é permitido ao lirismo espesso, barroco e apoteótico da narrativa uma
constância maximalista a princípio insustentável, em que o eventual
fraquejamento de um ou outro exagero que não cabe (diferente de todos os outros
exageros que cabem e carregam mais adiante a força do romance) não compromete um
equilíbrio sempre posto em pontos de desequilíbrio, e tampouco cansa a dicção
maximalista, uma vez que ela não opera em uma normalidade que busca qualquer
coisa próxima com o cotidiano. É um universo pútrido, tanto no aspecto físico e
fisiológico quanto no moral-histórico, a ambientação da ditadura
inteligentemente desenvolvida não como um passado a-ser–compreendido-para-ser-superado
e sim como momento de mero desnudamento das forças sempre presentes na
sociedade brasileira, ou mesmo latino-americana: levando em consideração a
atuação das polícias da maior parte do país, nas suas tentativas desastrosas de
conter a violência urbana de um dos países mais perigosos do planeta, o slogan
“tortura nunca mais” foi criado e saudado como superação em uma sociedade em
que se tortura ainda mais do que na época ditatorial.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
O lirismo do livro é um da textura, essa característica de
descrição bem mais difícil de apreender do que linha ou cor, o que mais se
perde de um quadro ao vê-lo em reprodução do que na vida real (a representação
correspondendo a muito menos do que o representado). Característica mais pertencente
ao tátil do que ao visual, uma espécie de sensação cega. Que exige, ou
valoriza, a presença, a experiência que não seja a partir do reportado. E mesmo
o contato direto não é suficiente para estabelecer certezas, servindo apenas de
garantida de uma não-diminuição dos sucessivos impactos, para os quais é impossível
qualquer tipo de preparo mínimo.</div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
Fica claro logo nas primeiras páginas que o romance não quer
menos do que se inscrever na minguada listagem de obras primas da literatura
brasileira, Cronica da casa assassinada, Grande sertão: veredas, Dom casmurro,
A hora da estrela, etc. Todos os xingamentos externos naturais a essa ambição provavelmente
já foram pronunciados, provavelmente de antemão, e serão repetidos por muito
tempo ainda, como pretensioso, artificioso, metido, “se acha demais”, etc,
assim como já foram arremessados contra os livros de lugar já assegurado no
cânone. O erro do autor, nessa visão de ódio automático ao contemporâneo, é
querer se igualar aos gigantes, como se alguém alcançasse qualquer coisa
extraordinária sem antes mirar alto, e o erro fosse vergonhoso a ponto de
invalidar a tentativa. Noite dentro da noite, de Joca Reiners Terron, em toda sua
radical originalidade, mira altíssimo, em um alvo que a gente só descobre que
existia por ter sido acertado. É um romance extraordinário, grandioso, um
monumento.</div>
</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-19228653138981532602017-04-18T18:07:00.000-07:002017-04-18T18:07:03.290-07:00Resenha nova no Jornal Rascunho: Butcher's Crossing, John WilliamsTirando um pouco da poeira por aqui:<br />
<br />
http://rascunho.com.br/faroeste-realista/brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-72285546313734293122016-12-13T18:32:00.002-08:002016-12-13T18:32:27.344-08:00Primeira página e meia<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="text-indent: 35.4pt;">Um pedaço da ficção em que venho trabalhando, a primeira página e meia. Acho que estabelece bem o tom da história:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
--</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
No tampo da
baia, a vibração. Uma pausa, breve, de criar uma esperança, e depois de novo,
vibrando. Não era uma mensagem, era ligação. Claro, ela não era de mensagens,
ela era de ligar, fazer o celular tocar e tocar. A espera por resposta seria
inadmissível, mesmo o instantâneo não era rápido o bastante, e devia já estar
se incomodando com a demora, em leve xingamento sobre como as pessoas conseguem
ser tão irresponsáveis, esquecerem seus aparelhos no silencioso. Antes fosse
esquecimento. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não, não precisou
esticar o pescoço para poder ler na tela do aparelho que deveria ter ficado
dentro da bolsa, esquecido, e não ali, gemendo seu vibrar contra a madeira
prensada de cor clara e vagamente agradável da mobília de seu trabalho. Outra
vibração, insistindo. Sentiu o olhar da colega ao lado em pergunta, como se
tivesse o direito de perguntar qualquer coisa, você não vai atender isso aí
não. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não. Já não
bastava aquela noite que estava para perder, bem na beira do fim de semana que
chegava sempre com ares de finalmente, precisava perder também sua paz agora da
tarde, ou o que restava dela ante a expectativa do evento por vir. O sorriso
fotogênico de sua mãe com seus óculos elegantes emoldurando os olhos de um azul
que ela não havia herdado, a tela acesa projetando para ninguém e o teto aquele
rosto e nome, insistentes, vibrando. A tela se apagou com o fim da chamada, mas
já sabia que seria questão de segundos até que recomeçasse.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não tinha como
ser diferente. De novo a vibração, aquela iluminação inútil, o desgaste. Como
se nunca pudesse sair de perto, descer ao restaurante do tribunal para tomar um
café que não fosse o de licitação disponível nas garrafas térmicas velhas e encardidas
que sempre vazavam pelas laterais respingando na parte externa dos copinhos descartáveis,
ir ao banheiro com aquele cheiro forte de detergente para esconder o de urina sem
querer contaminar o telefone com todas as bactérias resistentes às limpezas
matinais, ir à sala da chefia para ter uma conversa mais demorada que não fosse
sujeita a interrupções das mais aleatórias e inúteis, barulho de mensagem às
vezes só propaganda oferecendo empréstimo para milhares de números vazados ou
vendidos usando até a flexão de gênero errada, não importa, ainda conseguiam
seus trouxas (palavra aliás unisex, nada mais justo). É dívida, perguntou a
colega ao lado, sorrindo da própria piadinha.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não, é minha
mãe, vai ter jantar hoje na casa dela, com meu irmão e o marido dele. E você
não vai atender? Ela não respondeu à colega, que emendou ainda com um vai que
ela precisa que você compre alguma coisa pra levar. Dicas de convivência vindas
de alguém que não conhece a pessoa sendo discutida, sempre muito úteis. Óbvio
que não faltava nada para o jantar, nunca faltaria. Estaria tudo comprado desde
pelo menos terça-feira, preparado desde ontem, exceto o precisava ser fresco,
que estaria sendo preparado nesse momento ou até mais tarde um pouco. Qualquer
parafuso fora do lugar seria corrigido ou eliminado muito antes de qualquer
pedido por ajuda, salvo em caso de incêndio.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
E não, a
ligação estava vindo do número fixo, quanto a isso estava tudo certo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Aliás, por que
afinal precisaria ser numa sexta feira, a última aula que ela dava era na
quinta à tarde, poderia ter marcado na quinta. Não sabia das aulas do papai
naquele semestre, mas sem dúvida seria uma informação irrelevante.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Desistiu, e
pegou o aparelho.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
– Por que
tanta demora? – antes mesmo de um alô.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Hoje tá bem
movimentado aqui, mãe. Uma mentira que ela sabia que não convenceria ninguém, mas
a incredulidade foi bem absorvida pelo do breve silêncio que seguiu sua
desculpa.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
– Bem, tanto
faz. Eu queria te pedir para você chegar um pouquinho mais cedo hoje, preciso
da sua ajuda com uma coisa.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Ai, mãe, já
tava combinado tudo com a babá, o horário, ela só tem o carro dos pais a partir
das sete e meia.</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-33030501247075615912016-11-25T13:31:00.003-08:002016-11-25T13:31:35.616-08:00A análise da sexta-feira<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;">Aviso:
spoiler do livro novo do Laub, o tribunal da quinta feira, em um nível
última-página mesmo. Discuto questões do livro tomando como pressuposto o
conhecimento da história toda, isto é, não me dou o trabalho de apresentar as situações
a serem analisadas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Don
Delillo, em seu romanção Submundo, elege o World Trade Center como metáfora
perfeita para a segunda metade do século XX vivida nos Estados Unidos: é tanta
exuberância que o pessoal vai lá e constrói não um arranha-céu e sim dois, um a
cópia do outro, do lado do outro. O livro foi publicado em 1997. É daquele tipo
de coisa que até o sujeito mais politicamente libertário do mundo ia achar razoável
que a CIA espionasse o cara. Em 1992 ele também previu em seu romance Mao II
que com o fim da guerra fria as cartas da geopolítica seriam dadas pelo
terrorismo. Como todos sabem, nossa literatura não é tão universal quanto a
americana (não temos PIB per capita o bastante para isso), e assim cabe a nós
previsões bem menos grandiosas: o primeiro comentário que vi nas redes sociais a
respeito do livro do Laub (que não fosse as divulgações editoriais/jornalísticas
do tipo “em novo livro, Michel Laub discute...”) se deu na forma exata em que o
escândalo narrado em suas páginas é inaugurado para discussão pública. Um post
vago, curto, que é seguido por um comentário pedindo especificidades e a pessoa
responsável pelo ato de vaguebooking dando a resposta da charada de imediato.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Só
é possível imaginar que a resenhista-express do romance em rede social não
tenha lido o romance e sem querer tenha dado ao Laub um mínimo de mérito que
lhe seja devido, o de saber em detalhes como que se dá esse fenômeno que o
livro pretende discutir, o mimimi de macho que se diz oprimido ou a prática
linchamento online. Claro, não que a concessão desse mínimo seja minimamente
garantida em discussões dessa natureza, nessa luta meio fácil contra os
fascistas (todos podem e devem participar, é tudo claramente delineado em bem e
mal, a pauta disponível a ser reaberta todos os dias) é sempre péssima estratégia
ceder qualquer centímetro de território.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> O
que me incomodou no livro do Laub, na verdade, foi a coisa da AIDS. Mas antes
disso cabe discutir o que há de ser mais discutido sobre o livro: explicito
aqui pros que não entenderam ainda via entrelinhas que estou do lado
anti-linchamento e não anti-mimimi. Não que reputações devam sempre ser
mantidas ilesas a partir de erros cometidos, que certos atos merecem ser
trazidos à tona para exposição e discussão, mas acho que de fato existe uma gana
ensandecida em muitos de participar do justiçamento da vez, a cooptação imediata
de acontecimentos particulares por narrativas sociais maiores, mesmo que
corretas, antes de se ouvir o outro lado ou pelo menos terceiros que poderiam opinar,
nesse mínimo resguardo que a sociedade civilizada conseguiu de construir algo
assemelhado a justiça. Dar esse espaço é dar espaço ao Inimigo, que, se pudesse,
pisotearia em todos nós o tempo inteiro; nosso grito de guerra é nossa defesa e
nosso ataque para que isso possa deixar de acontecer. Como vivemos em uma
sociedade machista (e é difícil imaginar que alguém de inteligência mínima vá
discordar disso), e a luta se impõe como importantíssima, toda denúncia de
machismo tende a reverberar como verdadeira, em seus mínimos detalhes, sem que
nada da desavença possa ser enquadrada como mal-entendido ou mesmo
interpretação enviesada por animosidade. Quanto mais gritarmos, mais
avançaremos na causa por uma sociedade mais igualitária e etc, cabendo sempre
acreditar em toda denúncia, repetir todas as palavras de ordem que cabem à história
ainda sendo revelada; caso contrário, você é parte do problema, e não da solução.
Quem pede calma não pede nada, ou quer que tudo continue como está.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
medida do que constitui justiça é, com a exceção de casos monetários, sempre
arbitrária; quanto vale em dinheiro ou tempo um ato de dano moral, ou mesmo
corporal? O acerto perfeito é impossível de se encontrar, o que talvez leva
alguns a acreditar que o exagero não existe. Foi possível encontrar mesmo em
macacos um instinto de indignação a respeito do que é justo e não justo (um experimento
já clássico em que para macacos diferentes se entregava recompensas diferentes
pela mesma tarefa, o prejudicado sempre reclamando, desprezando seu prêmio
fajuto), e ainda assim acredita-se que a noção de equanimidade seria das
capacidades mais altivas e sofisticadas do ser humano. Como se não houvesse
impulso ou afã de conseguir controlar um mínimo o caos da existência, aproveitar
ao máximo, sem qualquer medida, aquela oportunidade de produzir um exemplo. A
realidade, no entanto, geralmente é bem mais complicada do que um bom exemplo
deve ser.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
talvez a lição mais interessante que pude tirar do Desonra, do Coetzee,
demorando algumas releituras a tomar nota. O protagonista, em sua arrogância de
sabido, disserta várias vezes a respeito do arquétipo do bode expiatório. Um
animal é colocado para o sacrifício para expurgar todos os males da comunidade,
sendo esse comportamento verificável em várias sociedades humanas. É difícil
não ver isso na fúria das pessoas contra acusados de qualquer coisa, principalmente
da transgressão-tabu do zeitgeist: não é só aquele crime que está produzindo
aquela fúria, e sim tudo que há de errado (ou genericamente mal) no mundo,
projetado no criminoso. Não é a pessoa, e nem mesmo o crime, e sim o Mal
inteiro sendo malhado ali. Daí a grandiosa cena do julgamento do protagonista
de seu cargo de professorzinho na Africa do Sul, o que deve ser o foda-se mais
bem composto de toda a literatura, sua indisposição em participar daquele circo
institucional, que priorizava o que toda instituição sempre prioriza, sua
própria reputação. Ele de fato estava sendo usado pro sacrifício, para dar as
mostras esgarçadas de um progresso na verdade intangível. Isso tudo, no
entanto, não quer dizer que ele não seja de fato culpado: a desmedida de quem
corrige não torna ninguém inocente. E o fato do culpado de fato ser culpado não
impede que outra injustiça esteja sendo cometida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
uma coisa até curiosamente desconversada pela conclusão do livro, a surpresa
final, que é o que achei mais marcante no romance e que discutirei daqui a
pouquinho. Para além da invasão de privacidade feita pela ex-esposa em entrar
no email de outra pessoa, outra pessoa que sequer divide mais sua vida com ela,
está a exposição de dois terceiros, uma garota de vinte anos que, sim,
realmente teve relações com um homem casado, mas que está no início de uma
carreira que pode de ser muito prejudicada pela exposição, e o amigo, cujo
único crime a ser exposto para o mundo foi a forma de fazer piada via mensagem
particular, sua forma de lidar com o que a vida lhe reservou (fazer piada de si
mesmo, naquela máxima de que rir de algo que te mete medo faz com que você
tenha menos medo). Se o caso exposto haveria de servir para muitos como exemplo
da luta para tornar o mundo menos machista, também serviria de lenha pra
fogueira dos infernos que se reserva no além-morte (ou mesmo em vida, para os
que se julgam ungidos dessa missão) para homossexuais, em lutas que são delineadas
em outros círculos (quadrangulares, pentecostais) bem diferentes de discussão de redes sociais.
Cada lado, inclusive o dos machistas e dos homofóbicos, consegue encontrar seus
respectivos culpados no escândalo do romance, uma das ótimas sacadas da trama. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
sacada de base mais genial do livro, no entanto, foi a de situar a discussão
inteira no mundo profissional da publicidade, ou pelo menos ter como seu meio
de expressão as palavras de um publicitário. A atuação em redes sociais do
adulto comum (e provavelmente também a dos adolescentes) é a de publicitário de
si mesmo, fazendo todos os dias ou quase todos o login em nossa plataforma de
relações públicas para falarmos que está tudo bem, que estamos indo muito muito
bem; os que falam que estão mal ou que está tudo errado no geral aproveitam a
oportunidade para pavonear o quão bem eles conseguem expressar como as coisas
estão mal. Até quem diz a verdade está se vendendo como o cara que diz a
verdade: não há escapatória, todos as vias e palavras estão afetadas pelo meio.
É uma plataforma para se esculpir como perfeição, deixando de lado tudo que é
desagradável e o que não cabe. O risco principal, além de uma vida em paranoia
cercado de perfeitos gênios-em-tudo, é de acabar se acreditando naquela imagem
artificial, sacrificando tudo que fica no caminho. Não tenho dúvidas que a
ex-esposa acreditava no próprio blábláblá de que estava dando uma oportunidade ao
protagonista de amadurecimento; em público, sim, sob todos os xingamentos
imagináveis, melhor lugar pra refletir não há. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
protagonista reconhece o próprio erro, como não poderia deixar de fazer, em uma
maneira meio em passant; sua preocupação principal, claro, está em sua
sobrevivência mental mais básica, e não em pedir desculpas repetidamente para
quem vai nunca cogitaria se sujar em pensar em ouvir. Sua imaturidade,
principalmente em casar com uma mulher que parece que só evidenciava
incompatibilidades fundamentais de personalidade, inclusive no campo sexual,
explode da pior forma possível, e essa reconstrução passa a ter de ser feita publicamente
porque foi para aí que foi arrastada, diante de gente para as quais ele é só um
nome, ou arquétipo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
coisa da AIDS, contudo, me soou estranha, no início. Tenho bastante aversão a
metáforas a respeito de doenças, por histórico próprio de minha família; as
diversas formas de finitude e suas imprevisibilidades são pra mim o indicativo
mais distinto que podemos ter que estamos sob o jugo de forças aleatórias e
insondáveis do universo. O narrador presta seu tributo ao clichê da questão, de
todo mundo desse meio intelectual que já leu o livrinho ótimo da Sontag sobre o
assunto, a tuberculose sendo poética no século dezenove, o câncer sendo
rancoroso no século XX, mas o negócio ficou meio entalado mesmo assim, parecendo
de início como único defeito de um livro que de tão bem feito chega a causar
espanto, tendo em vista o quão recente é seu assunto principal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
twist no aproximar do final da narrativa me pareceu uma forçada de barra na
dramaticidade que já estava mais que aguçada o bastante no decorrer do livro.
Para além da repetição básica da técnica do trauma arcaico anteriormente vista em
o Diário da Queda (o pessoal deixando o menino cair no livro anterior, e no
novo Walter deixando a travesti ser espancada) e a agressividade toda dos
comentários, o livro já estava um tanto carregado, não precisando daquela
dosagem a mais, e a ambiguidade do final me soando um tanto desequilibrada: se
o resultado do teste fosse negativo, para que tanta tensão? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nas
páginas que provavelmente serão as mais finamente repenteadas da literatura
brasileira recente, a questão é colocada em aberto, mas a mera existência da
questão faria com que um dos possíveis resultados soasse improvável: se fosse
negativo, para que tanto crescendo e suspense? Soa a princípio um pouco fajuto.
A grande decisão que a garota deveria tomar só seria grande se fosse positivo.
Talvez fosse uma questão de decidir em de fato construir uma vida ao lado dele,
uma rejeição definitiva da possibilidade de se pintar como vítima da situação
inteira e sair pelo caminho mais fácil, um pacto real e definitivo com o
narrador. E todo aquele papo anterior sobre AIDS, todos aqueles detalhes,
seriam meio que à toa? A situação por si só do amigo e o vazamento das
mensagens dariam mérito a no máximo metade do espaço que foi gasto discutindo
especificidades. A dúvida inteira, ainda, dá um eco meio bizarro para a
conversa-zoeira entre os amigos, de decidir infectar a garota, ganhando uma
literalidade quase que de mau-gosto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pensando
um pouco mais, no entanto, não seria isso o que metaforicamente um
relacionamento amoroso profundo acarreta? De certa maneira, quando amamos e
temos nesse amor o convívio entranhado de subjetividades distintas ocorre certo
contágio mútuo (ainda que parcial) de personalidades, a forma como o outro
parece entrar em nossa pessoa? Mesmo nossos pensamentos mais particulares, a
pessoa aparece dando pitacos imaginários, pensamos sem esforço em como o outro
reagiria diante de alguma coisa nova que nos deparamos, ficando acompanhados
mesmos quando estamos sozinhos. Não daria para entender o período de superação
de um amor perdido como uma espécie de desintoxicação daquela pessoa, de nossa
subjetividade aprender a viver sem a substância fornecida pela outra
subjetividade? Nesse sentido, depois de digerir o livro por algumas horas, pude
entender melhor essa possibilidade do final do livro, até que me ocorreu outro caminho,
talvez mais engenhoso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
confusão de datas relativas a Walter pode ser falsa, ou falseada. Ele talvez
soubesse que o amigo teria se infectado somente após o contato com a ex-esposa
(contato que talvez nem tenha existido). Ela não saberia da doença do amigo? Teria
ficado calada por esse tempo inteiro? (não lembro desse detalhe, esse texto conta
com uma só leitura do livro). Os dois teriam ficado os quatro anos do casamento
sem qualquer sintoma? Parece possível, mas um pouco improvável. Seria eu o
único a sentir uma mudança na natureza dos acontecimentos da narrativa, nessa
reta última, em que de repente o encadeamento de vários acontecimentos super
específicos e intricados de repente se mostra como decisivo? Tudo deslizava num
vai-e-volta de ambientação complexa, um andamento titubeante, até que de
repente uma máquina de algumas engrenagens afiadas se revela como fundamental:
plot twist numa história que subsiste de recuperar/ruminar um passado complexo,
dissipado.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assim,
esse caminho que me aparece como possível, o que o protagonista apresenta agora
em público como conclusão de sua defesa poderia ser, na verdade, nas
entrelinhas, com o fim em aberto que de outra forma me parece um pouco
artificioso e literário demais (eterno risco das narrativas de primeira
pessoa), uma espécie de reivindicação possível daquilo que eles, o narrador e
sua namorada, teriam perdido com essa exposição pública. Da mesma forma como o
jeito semi-BDSM que os dois consensualmente transavam e gozavam juntos não dizia
respeito a ninguém que não estivesse envolvido diretamente no ato, pois sabemos
que não era só o adultério o escândalo, a resposta daquela pergunta-bomba sendo
só deles seria uma forma dos dois terem de novo um mundo próprio, privativo,
singular, que quem fosse de fora poderia apenas especular de forma inútil e
infinita a respeito dos detalhes, em parâmetros que eles pudessem ter algum
controle, uma espécie de retorno distorcido à forma como as coisas já foram e
deviam ser.<o:p></o:p></span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-73062010108685958872016-08-05T09:35:00.000-07:002018-08-12T03:33:07.423-07:00Ozick traduzida (trecho de conto)<div style="text-align: justify;">
Traduçãozinha rápida, pedaço de um conto ótimo que li ontem:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aos vinte ele havia suportado a emoção aturdida de alguém que tem a sensação que foi separado para aspiração, para beleza, para a reverência, para alguma particularidade ainda não descoberta. Aos trinta ele acreditou que tudo aquilo tinha sido invencionice de sua imaginação de menino (exasperação ante o envelhecer não é em nenhum momento mais aguda e melancólica que aos trinta), mas ele ainda se maravilhava com suas energias, ele sabia que tinha um talento vulgar para a compaixão assim como, digamos, Sophie tinha talento, igualmente vulgar, para copiar paisagens; ele se viu, na verdade, como uma praça aberta, já bastante pisoteada, esperando ser tomada por uma conquista, por uma invasão de particularidades, por aquele raspar propositado que marcaria os azulejos como um lugar onde claramente algo aconteceu. Aos quarenta ele era ainda sem uma história - suas irmãs estavam tendo seus últimos bebês, seu pai seus primeiros derrames - e ele se tornou culpado e cínico a respeito de sua própria natureza, e começou a desprezar a si mesmo por ter colocado sua fé na possibilidade de um evento significativo, milagroso.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Cynthia Ozick, A esposa do médico</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
[At twenty he had endured the stunned emotion of one who senses that he has been singled out for aspiration, for beauty, for awe, for some particularity not yet disclosed. At thirty he believed all that had been a contrivance of his boy's imagination (exasperation over growing old is at no time more acute or melancholy than at thirty), but he was still delighted by his energies, he knew he had a vulgar talent for compassion just as, say, Sophie had a talent, equally vulgar, for copying landscapes; he saw himself, in fact, as an open plaza, already well-trodden, waiting to be overcome by a conquest, by an invasion of particularities, by those purposeful scrapings that would mark the tiles as a place where plainly something has happened. At forty he was still without a history - his sisters were having their last babies, his father his first strokes - and he became guilty and cynical about his own nature, and began to despise himself because he had put his faith in the possibility of significant, of miraculous, event.]</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-9388922300473963632016-07-25T13:24:00.001-07:002016-07-25T13:27:58.415-07:00Norman Rush - Mortals - efeitos de consciência<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
uma equação esdrúxula, mas a melhor forma de resumir o Norman Rush para mim é
David Foster Wallace + formação clássica + Dostoievski. Esdrúxula, como toda
equação que trata de literatura, e também por tomar como base interpretativa um
autor que é mais jovem do que o discutido, mas ela ajuda a entender um pouco do
fascínio que o livro alcança.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ele
é David Foster Wallace no ímpeto que também tem de fazer um relato preciso dos
movimentos de consciência de um personagem. Se a defesa clássica da prosa de
ficção sobre outros meios mais rápidos de transmissão de narrativas (cinema,
quadrinhos, etc) é que apenas ela tem o poder de naturalizar a consciência de
outra pessoa, colocando os pensamentos em meio à ação sem sobrepesar o
andamento da história, o Norman Rush sem dúvida seria um dos cúmulos desse
aspecto supostamente intrínseco à nossa desvalorizada arte. Tudo que ocorre no
livro é mediado (e por vezes interrompido em sua continuação) pela consciência
meticulosa e obsessiva do protagonista, a ponto de que os acontecimentos (que
são até bastante dramáticos e envolventes) parecem que são apenas o
acompanhamento do principal que é a subjetividade do personagem e sua
capacidade reflexiva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Por mais inteiros que pareçamos por fora (em
geral para pessoas que não nos conhecem bem), somos frequentemente uma bagunça
por dentro, e mesmo as nossas certezas mais aparentemente sólidas são
alcançadas por contradições rapidamente resolvidas intra-cranianamente na
medida em que nos deparamos com novas informações. Nossos raciocínios não
alcançam as conclusões com as quais vivemos e agimos na vida de maneira
imediata, e mesmo essas conclusões que parecem sólidas feito pedra desaparecem até
mesmo sendo substituídas pelo seu oposto ante uma situação nova: a máxima clássica
de que o personagem bem-feito é aquele capaz de surpreender o leitor é apenas
xerox da realidade que somos capazes de surpreender a nós mesmos com nossas próprias
reações. Um trauma superado ressurge como se estivéssemos na estaca zero, nos
vemos mais covardes (ou quem sabe mais corajosos) do que esperávamos em certo
momento urgente, somos incapazes de seguir com planos a princípio perfeitamente
traçados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
raciocínio de Ray Finch, protagonista do livro, é construído aos olhos do
leitor como num programa de tutorial de como-se-faz, como-se-é-humano, numa
naturalidade que o que termina por surpreender é como isso figura como
surpreendente, estranho sendo que os outros livros não sejam assim. Um exemplo
micro disso é o momento em que ele está diante do novo chefe babaca dele,
sintetizado na frase “He hated Boyle, but not really”; os manuais de
como-fazer-literatura provavelmente corrigiriam isto por algo do tipo “ele
quase odiava Boyle”; aparentemente muito melhor que duas formulações em que a
segunda efetivamente corrige a primeira. Uma construção o mais precisa possível
a princípio seria melhor do que duas em luta, mas não é apenas o efeito (de
consciência) que é valoroso, sua cópia de como funciona a cabeça de uma pessoa:
o conteúdo resultante é também diferente. Naquele centésimo-de-segundo antes de
vir o próximo pensamento, o protagonista estava realmente com aquela conclusão
a respeito de seu chefe. O livro é inteiro assim (geralmente em frases bem mais
alongadas), feito de percepções que se acumulam e se substituem sem nunca
ficarem confusas, e sim uma precisão ao mesmo tempo absoluta e borrada, criando
uma proximidade quase estranha com a realidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quanto
à formação clássica, é na verdade uma expressão incorreta, já que não se trata
das grandes figuras da antiguidade (Cícero, etc), e sim uma erudição
naturalizada relativa à tradição literária da língua inglesa. A diferença com
Foster Wallace, que de fato tinha toda essa formação gigantesca que a nós
(mais) mortais parece francamente inatingível, é que ele trazia o mundo
midiático como tema constante de sua obra, enquanto o Norman Rush (seu
personagem, mas, convenhamos, claramente também o autor) tem todo o
estranhamento despudorado com o ““”emburrecimento“”” (aspas entre aspas) do
mundo contemporâneo que se espera de um estereótipo de intelectual, como uma
lamentação de que o vocabulário comum atual é supostamente menor do que o nos
anos 1950 (para mencionar uma das muitas lamúrias ocasionais de Ray).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
entanto, o efeito dessa formação sólida do autor, reproduzida no protagonista,
é um texto desavergonhadamente inteligentíssimo, carregando sua cultura como
quem carrega aspectos de sua pessoa que são naturais (e não longamente
adquiridos), não hesitando em exibir um dos efeitos que a leitura contínua e
compulsiva produz na mente de quem embarca nessa jornada. Parece que o francês
tem uma expressão “mobiliar sua mente” no que diz respeito ao hábito de leitura,
quando me parece mais próximo do real é uma espécie de povoamento fantasmático da
consciência, em que figuras literárias que lhe causaram impacto como que
aparecem de repente em meio aos seus pensamentos, seja para ecoar de novo uma
frase que tenha ficado por um tempo ou permanentemente (às vezes nos lançando
numa busca de origem, “quem mesmo que falou isso?”), ou para dar uma opinião
(imaginária, claro, reconstituída pelas impressões do próprio leitor, mas que
ressoa como inteiramente verídica) sobre o que se tem diante de si, não apenas
em momentos de fruição de obras de arte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Percebemo-nos
habitando aquele espaço a princípio da burrice, de ficar pensando várias vezes
“esse cara é mesmo muito inteligente”; é claro que existem várias inteligências
diferentes dentro do conceito uno de inteligência, seja rapidez de raciocínio,
erudição (até os burros, por insistência, conseguem algum acúmulo), aptidões
múltiplas e nada-complementares. Mas com o tempo nos vemos voltando (e até
ansiando pela experiência desse retorno) de simplesmente nos admirarmos com a
capacidade (ou conquista) incomum e improvável de certas obras, em que de
repente de novo tudo que concerne a mente parece ser uma questão classificável
e que estamos diante de alguém extraordinário como que naturalmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Já
a parte Dostoievski, vem muito da constatação do Foster Wallace da disposição
desabrida do russo de fazer sua obra um palco para discussões detidas e do mais
alto nível de seriedade. Qualquer leitor/espectador mais interessado vai se
dando conta que a lacuna é parte fundamental de qualquer obra de arte; não só
não é possível falar tudo, como é nada desejável falar o máximo. O que muitos
artistas optam por fazer a partir daí é de certa forma contornar de várias
formas suas questões principais: uma tristeza é expressada por silêncios, ou
pelo cenário, em vez de jogada na mesa, o texto se alongando como que em órbita
em relação a um centro tornado tabu. O pessoal do new-criticism chamava isso de
objetivo-correlativo, se me lembro corretamente: não é possível falar de amor,
portanto falamos de primavera, flores, etcéteras. O risco de ignorar essa boa
regra é sair da ineficácia (“que tédio, outra história que metaforiza pela
tempestade as inquietações humanas”) e cair no ridículo ou ensaístico/analítico,
transformar a narrativa em um tratado descritivo pretensamente minucioso das
emoções humanas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dostoievski
não tinha medo de encenar longas discussões a respeito dos tópicos que
considerava importantíssimos, espichar monólogos que buscavam expressar com
exatidão exaustiva o estado de espírito de seus personagens, exatamente o quão
comovidos ou destruídos eles estavam pelo mundo circundante. A mesma coisa com
o Rush. Nunca li um livro tão disposto a falar longamente do amor e da paixão,
sexual e de afinidades, aquela intimidade aprofundada que se desenvolve como se
fosse um pedaço sempre tateável da subjetividade de uma pessoa. Seu primeiro
romance, Mating, um relacionamento que se inicia; o Mortals, um relacionamento
já de muitos anos, enfrentando uma crise. Não é apenas nesse sentido: os
romances tem ambientação em Botswana, com os personagens americanos descrentes
e mesmo assim encantados com o lugar, e acaba por passar por discussões a
respeito de geopolítica, cultura local, papel dos Estados Unidos no mundo, sem
que (como parece mais comum) sejam coisas mencionadas apenas para constarem como
existentes e serem rapidamente colocadas de lado, para o romance tratar do que
realmente importa, a narrativa e o enlace emocional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
naturalidade com que o livro desenvolve essas três frentes, a minúcia da
consciência, a gigantesca carga cultural e a importância do assunto tratado, é
absolutamente espantosa. Parece contemporaneamente mais seguro apostar no
ressalto do que há de artifício em arte, narrar apenas depois de avisar várias
vezes que há muito que não será narrado, a nova forma de erguer a cabeça é
abaixar a cabeça. Mortals chega a ser quase um livro do século dezenove em sua
pretensa solidez. Tem seu quê de excessivo e digressivo, trechos inteiros que
poderiam ser cortados sem prejuízo para o todo (meia página falando mal da
transformação/consagração de Joyce de escritor realista em puzzlemaker,
pontuada por um singelo “fuck him”); pela recepção crítica que teve, parece que
seu livro mais recente, Subtle Bodies, mais curtinho, sofre justamente por
certo desajuste de velocidade: demora demais para construir seu mundo sem ter o
espaço e demora necessários para o acúmulo e o efeito de resolução. Lerei.
Norman Rush para mim está na categoria de grandeza que até os fracassos
interessam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">J.G.
Ballard diz na introdução de seus contos reunidos que lamenta a queda de status
que a short story sofreu durante seu tempo de vida: no início de carreira eram
várias as revistas literárias (de ficção científica ou não) que buscavam novos
talentos e conseguiam vendagem para se manter, enquanto hoje parece que o campo
virou quase todo para os romancistas. Ele fala que acha isso curioso, pois
conhece vários contos perfeitos e nenhum romance perfeito. Já eu acho que está justamente
aí um dos segredos dessa predominância: essa imperfeição é como um efeito de
realidade, em que nem tudo cabe a uma máquina central de sentido, encaixado com
exatidão: há sobras, excessos, espaços em branco que não são meticulosamente
esculpidos por um texto-moldura. Certo aspecto intangível de inacabado, do
livro que de certa maneira poderia continuar e não continua, o livro que
poderia calar e se alonga. Claro, muito difícil de definir qual a medida disso
em que realmente entra no espaço do erro e da imperícia, mas essa dificuldade
de definição é também indício de que algo que é real foi capturado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%; text-indent: 35.4pt;">--- </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Trechinho,
traduzido por este que vos posta:<o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">It never changed for him, seeing
her again after a day’s separation, or even less. He felt a flowing, objectless
gratitude so strong it weakened him. He wanted her touch. It was permanent with
him. She put her hands on him and slipped one hand through the unbuttoned top
of his shirt. She was wearing a plain white sundress and she was barefoot. The
shape of her heavy hair against the light and the scent of it as he put his
face into her hair were perfections, were absolute things. He was forty-eight.
She was thirty-eight. A pleasure he had was catching flashes of surprise in
people’s expressions when she told her age, which she was always truthful
about. He often had the satisfaction of seeing people look at him, obviously
wondering what it was about him that they weren’t seeing that made it
reasonable for a woman of this quality to be with him, be his. He had always
looked his exact age. And he also liked seeing them being given pause by
someone at her level of</span> physical beauty dealing with people so much more
nicely than she should be, on their past experience of great beauties, which
she was, which she was. These were instantaneous moments, but real. She was a
democrat, a spiritual democrat. And then with women, and gay men too,
sometimes, he would get the moment when they tried subtly to ascertain if they
could possibly be right in their first impression that Iris was wearing hardly
any makeup. There was a way they widened their eyes briefly and then focused
again. Iris wore next to no makeup.</span><o:p></o:p></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">He wanted the touch of her breath
on his throat. When they embraced after being</span><o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">separate that was what he wanted
first.</span><o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">“You are so beautiful,” she said.</span><o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">“So say we all,” he said, being wry.</span><o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1469477740922_1943" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span id="yui_3_16_0_ym19_1_1469477740922_1942" style="-webkit-padding-start: 0px;"><span lang="EN-US">A line came to him,<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">I
am the mirror you breathe on</i>. It wasn’t quite right, though. If he wrote
poetry what he would want would be a line that united holding a mirror up to
the mouth and nose of a particular beloved to see if she was still alive<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">with<span class="apple-converted-space"> </span></i>the mirror being the fixed
register of her personal beauty. Could the line be<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">I
am the mirror your breath is for?<span class="apple-converted-space"> </span></i>He
thought. No because it’s slightly sinister. No because it’s stupid. This was
why genius would be so handy if you had it. Iris had no real appreciation of
how beautiful she was. She was sealed off from that by her past, complications
in her past, and he lacked the genius to strike through and say Look what you
are! </span>Look! and have her believe it.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
Nunca mudava para ele, vê-la de novo depois da separação de
um dia, ou até menos. Ele sentia uma gratidão fluente e desobjetificada tão
forte que chegava a enfraquecê-lo. Ele queria o toque dela. Era permanente com
ele. Ela colocou suas mãos nele e deslizou uma mão pelo topo desabotoado de sua
camisa. Ela estava de vestidinho branco e sem estampas e ela estava descalça. A
forma de seu cabelo pesado contra a luz e a fragrância quando ele colocava seu
rosto no dela eram perfeições, eram coisas absolutas. Ele tinha quarenta e oito
anos. Ela tinha trinta e oito. Um prazer que ele tinha era capturar flashes de
surpresa nas expressões das pessoas quando ela dizia sua idade, em que ela
nunca mentia. Ele frequentemente tinha a satisfação de ver pessoas olharem para
ele, obviamente ponderando o que ele teria que eles não estariam vendo para
tornar razoável que uma mulher dessa qualidade ficasse com ele, fosse dele. Ele
sempre teve a aparência exata de sua idade. E ele também gostava de
vê-los pausar por estarem diante de alguém em seu nível de beleza física
lidando com pessoas de maneira muito mais agradável do que ela deveria fazer,
em suas experiências passadas com grandes belezas, que ela era, que ela era.
Esses eram momentos instantâneos, mas reais. Ela era uma democrata, uma
democrata espiritual. E então com mulheres, e homens gays também, ele teria o
momento em que eles sutilmente tentariam averiguar se era possível que eles poderiam
ter tido razão em sua primeira impressão que Iris não estava usando quase
nenhuma maquiagem. Existia um jeito em que eles alargavam seus olhos brevemente
e então focalizavam de novo. Iris não usava quase nenhuma maquiagem.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;">Ele queria o toque de seu respirar em sua garganta. Quando
eles abraçavam depois de ficarem separados era isso que ele queria primeiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;">“Você é tão belo” ela falou<o:p></o:p></span></div>
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background: white; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;">“É o que dizemos todos” ele falou, sendo irônico<o:p></o:p></span></div>
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"></span><br />
<div class="yiv4911258705msonormal" style="-webkit-padding-start: 0px; -webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; orphans: auto; text-align: justify; text-align: start; text-justify: inter-ideograph; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<span style="-webkit-padding-start: 0px;"><span style="color: black;">Uma frase veio a ele<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">eu sou o espelho em que você respira</i>.
Não estava bem certa, no entanto. Se ele escrevesse poesia o que ele ia querer
era uma linha que unisse o segurar do espelho na boca e nariz de uma pessoa
amada em particular para ver se ela ainda estava viva<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">com</i><span class="apple-converted-space"> </span>o espelho sendo o registro fixo de sua
beleza pessoal. Poderia a frase ser<span class="apple-converted-space"> </span><i style="-webkit-padding-start: 0px;">Eu sou o espelho para qual serve seu
respirar? </i>Ele pensou. Não porque é ligeiramente sinistro. Não porque é
idiota. Era por isso que genialidade seria tão útil se a você tivesse. Iris não
tinha apreciação real de como ela era bela. Ela foi isolada disso pelo seu
passado, complicações de seu passado, e a ele faltava a genialidade para
adentrar com um impacto e dizer Olhe o que você é! Olhe! e vê-la acreditar.</span><o:p></o:p></span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-78946238918515425582016-07-18T10:21:00.000-07:002016-07-18T10:21:09.025-07:00Adendo ao post sobre Suttree - a linguagem<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(Era para ter sido escrito um dia
ou dois depois do primeiro post: eis um calendário exato da procrastinação, a
distância desse de agora pro anterior.)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">---<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Toda tradução é uma traição, blá
blá blá, mas o caso de Suttree é realmente interessante por suas especificidades
estéticas. Discuti uma questão parecida com essa num post de uns anos atrás
sobre a dificuldade inerente/estrutural de traduzir Infinite Jest: alguns romances
não apenas usam o idioma em que foram escritos, eles realmente existem dentro
de sua linguagem. O inglês não é meramente o meio, é como se fosse parte do
corpo da obra. Colocá-lo em outro idioma não é colocar um cantor de voz
diferente para a mesma música, é escolher outro instrumento: um piano não
consegue alongar suas notas, um clarinetista não tem as duas mãos produzindo
notas diferentes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No caso do Infinite Jest era a
maleabilidade prática maior do idioma de origem que atrapalhava sua existência
mais assemelhada no português (vale dizer mais uma vez que a tradução do
Galindo me pareceu ser a melhor possível), já o problema com o Suttree é de
ordem histórica. O inglês é um idioma vira-lata: estrutura meio germânica,
léxico em grande parte do latim, por influência histórica francesa.
Frequentemente existem duas palavras que expressam a mesma ideia, com uma sendo
originária do latim, tida como a mais rebuscada ou erudita. Lembro-me dos
coleguinhas da sexta série da época em que morei por lá com a piadinha “we saw
you masticate yesterday at lunch”, apostando na semelhança sonora com
“masturbate”. Saber que aquilo era mastigar, ou “chewing”, no inglês comum, era
coisa para os iniciados, quem já tinha ouvido a piadinha antes. É até engraçado
que um leitor brasileiro às vezes vai ter mais facilidade do que um americano
com o vocabulário do Infinite Jest, por sua recorrente incursão nas versões
rebuscadas das palavras.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Suttree, com todo seu tutano
primitivista indisfarçável, trabalha na linguagem a questão da superficialidade
do que temos e tentamos ter de civilização. Os adjetivos no livro
frequentemente são substituídos com criações verbais aglutinadoras bastante
transparentes, como certo momento em que uma máquina é descrita como
“spiderlike” (em vez de arachnid – palavra do latim). Não se trata de uma
rejeição completa e purista das palavras dessa origem: elas aparecem, mas em
contexto em que o que elas tem de estrangeiro fica radicalmente ressaltada, frequentemente
em tom científico, tentativa humana fracassada e meio-fake de domar a natureza
e o mundo circundante. Temos uma divisão de autenticidade/naturalidade versus inteligência/artificialidade
expressada na forma como o romance respira. O tradutor para o português não tem
caminho certo para onde ir, nesse quesito: as palavras arcaicas ocasionalmente
desenterradas pela narrativa provavelmente soarão como erudição bacharelesca, e
não retiradas de paredes de cavernas, de fogueiras há milênios apagadas e de
rastros milagrosamente descobertos.<o:p></o:p></span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-41416284298331402782016-06-29T11:50:00.001-07:002016-06-29T11:50:46.232-07:00Relendo Suttree - sobre a não-concisão<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Relendo Suttree – sobre a
não-concisão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma
coisa não tinha ficado bem-resolvida na minha primeira leitura de Suttree, seis
anos atrás: como que eu tinha demorado quase três meses pra ler um romance que
a cada capítulo se firmava como uma das leituras mais memoráveis da minha vida?
Todos os outros de um possível top 10 meu tinham me acometido como ataques
súbitos, leitura realmente compulsiva (o Infinite Jest, que deve ser três vezes
maior, não demorou tanto, o Desonra, do Coetzee, foi praticamente numa tarde
só), livros que invadem meu espaço interno e dão nova vida ao interesse pela
literatura, seja a situação anterior meio moribunda (ressuscitada a choques
elétricos) ou normal (forçada a lidar com aquela nova energia). Pensei que essa demora para ler talvez
pudesse ser atribuída ao fato de eu ter lido no meio do meu mestrado, entre
várias outras leituras que não eram completamente inúteis pro meu projeto, ou
apenas certa imaturidade minha de leitor, achando que uma tentativa agora
decerto seria rápida, dentro daquela impressão que com o tempo vamos sempre
melhorando intelectualmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
releitura também demorou mais de dois meses; até dá pra ver por aqui no blog,
via um post anterior meu do início de abril traduzindo um parágrafo rápido. Não
é um livro dos mais longos (menos de quinhentas páginas) ou super-difícil,
ainda que apresente uma linguagem bastante incomum e disposição não-didática de
informações básicas sobre o protagonista. Mas dessa vez a lerdeza na leitura
não me pareceu um atestado de fraqueza/incompetência como tudo parece muito
pronto a ser quando somos jovens e (mais) inseguros. Suttree é definitivamente
um livro lerdo. A ser lido bem aos poucos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
romance narra em episódios mais ou menos independentes a vida de Cornelius
Suttree, herdeiro de ricaço do interior dos Estados Unidos (salvo engano,
magnata ferroviário) que decide largar a vida traçada para ele para morar em um
barquinho nos arrabaldes de Knoxville, Tennessee, pescando boa parte de sua
comida, vendendo as sobras na feira, convivendo com bêbados maltrapilhos
fodidos da vida. Não são pessoas simples/humildes, e sim semi-degeneradas. Os
causos se aproximam com frequência do pitoresco, sem que com isso essas pessoas
que sobrevivem na miséria material apareçam como algo exótico, curioso,
engraçado, ou algo que nos leve com naturalidade à opinião de que é absurda ou
lamentável a existência de pessoas arremessadas nessa semi-barbárie. Não se
trata de um zoológico humano, para apontarmos às aberrações com risos
desabridos ou indignação humanista, afirmando que a Educação haveria de Salvar
essas pessoas dessas tristes condições; há, na verdade, antes, um fascínio por
toda essa imundície, tida como mais autêntica à existência humana do que o
verniz da civilização abandonada pelo protagonista: os humanos lutam pela
sobrevivência cotidianamente há vários mil-anos a mais do que aproveitam as
benesses do acúmulo civilizatório, e é como se houvesse algo em nossa
constituição subjetiva profunda que nos puxa a essa existência anterior, apenas
em parte abandonada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Todo
leitor com mais de dezoito anos sabe que esse fascínio há de ser muito difícil
de ser longamente sustentado sem descambar pro ridículo ou pro fake, e é isso o
que Cormac McCarthy talvez por milagre consegue. Não é o intelectual que com
binóculos ou microscópio analisa uma situação humana com frieza clínica ou com
o entusiasmo de fanático: esse nível social permeia o texto como vivência mesmo,
com naturalidade inimitável, numa justaposição francamente bizarra de linguagem
coloquial caipira com outra parte de altivez descritiva cheia de arcaísmos
esquisitíssimos que é quase como se o verbo voltasse a ter o poder do início do
Gênesis para de criar um mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quem
quiser uma amostra direta disso, só ver as páginas iniciais do livro (com
modesta tentativa de tradução deste que voz fala): </span><a href="http://asordensdadesordem.blogspot.com.br/2013/12/preambulo-do-suttree-traduzido.html"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">http://asordensdadesordem.blogspot.com.br/2013/12/preambulo-do-suttree-traduzido.html</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(os
parágrafos citados nesse post também são de tradução minha)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A
questão principal que pretendo discutir é esse quê de demora do livro: os
episódios não são ordenados em qualquer arco narrativo, de maneira que os
posteriores dependam ou acrescentem ou mesmo superem os anteriores. Há certa
displicência na disposição dos acontecimentos, certo relaxamento como de um
barco descendo vagaroso com a correnteza de um rio, seu único tripulante
deitado nas tábuas tomando Sol. O leitor que corre apressado pelo romance,
devorando a obra em blocos de centenas de páginas, provavelmente vai se irritar
com o que há de repetitivo no livro. Tá, já entendi, o pessoal vive muito na
precariedade; tá, já entendi, o pessoal bebe muito; tá, já entendi, etc etc. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
existe um crescendo de dramaticidade ou mesmo de esclarecimento a respeito da
atitude do protagonista de abandonar o mundo do conforto; o peso principal que
permeia o texto é de inconsequência, tanto de Suttree ao largar sua família
quanto dos próprios acontecimentos, que se desenrolam de maneira a punir a
ocasional e recorrente estupidez dos personagens sem que com isso acarrete
qualquer lição (aprendida por eles o carregada ao leitor). O ápice de
dramaticidade, no nível simples de acontecimentos trágicos, se dá perto da
página 150, a morte do filho do protagonista:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">“All
night he’d tried to see the child’s face in his mind but he could not. All he
could remember was the tiny hand in his as they went to the carnival fair and a
fleeting image of elf’s eyes wonderstruck at the wide world in its wheeling.
Where a ferriswheel swung in the night and painted girls were dancing and
skyrockets went aloft and broke to shed a harlequin light above the fairgrounds
and the upturned faces”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“A noite inteira ele tentou ver o
rosto da criança em sua mente mas ele não conseguia. Tudo que ele conseguia
lembrar era a mão pequenina na sua quando foram ao parque de diversões e uma
imagem fugidia de olhos de elfo maravilhados com a imensidão do mundo em seus
movimentos. Onde uma roda gigante balançava na noite e garotas pintadas
dançavam e foguetes celestes ascendiam em arroubos e partiam se despindo em uma
luz harlequim por cima da praça e dos rostos erguidos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Um
editor moderno, munido da boa regra da concisão literária, poderia até defender
racionalmente o corte de talvez mais da metade do livro, e é dessa natureza a
reivindicação daqueles que elegem Meridiano de Sangue e a Trilogia da Fronteira
como as verdadeiras obras-primas do Cormac. Há muita gordura no livro, excesso
excessivo. Muita (muita) descrição, detalhes repetidos (lembro de mais de uma
menção a preservativos usados jogados no mato ou no riacho), muitas cenas que
expressam a mesma tônica, episódios sucessivos que efetivamente dizem a mesma
coisa: que o ser humano é um animal triste, impulsivo, que não há regra
discernível para a existência exceto sua finitude, que todos somos
irrevocavelmente impelidos à morte e ao nada:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">“In
an older part of the cemetery he saw some people strolling. Elderly gent with a
cane, his wife on his arm. They did not see him. They went among the tilted
stones and rough grass, the wind coming from the woods cold in the sunlight. A
stone angel in her weathered marble robes, the downcast eyes. The old people’s
voices drift across the lonely space, murmurous above these places of the dead.
The lichens on the crumbling stones like a strange green light. The voices
fade. Beyond the gentle clash of weeds. He sees them stoop to read some quaint inscription
and he pauses by an old vault that a tree has half dismantled with its growing.
Inside there is nothing. No bones, no dust. How surely are the dead beyond
death. Death is what the living carry with them. A state of dread, like some
uncanny foretaste of a bitter memory. But the dead do not remember and
nothingness is not a curse. </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Far from it”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“em uma parte mais velha do
cemitério ele viu algumas pessoas passeando. Cavalheiro idoso com uma bengala,
sua esposa no braço. Eles não o viram. Eles seguiram pelas pedras inclinadas e
grama alta, o vento vindo do bosque frio na luz do Sol. Um anjo de pedra com
suas vestes de mármore ao léu, olhos para baixo. As vozes dos velhos deslizam pelo
espaço solitário, murmurosas sobre esses lugares dos mortos. Os liquens nas
pedras esfaceladas feito uma luz verde e estranha. As vozes desaparecem. Além a
gentil colisão de ervas daninhas. Ele os vê se inclinando para ler alguma singela
inscrição e ele pausa perto de um jazigo velho que uma árvore desmontou pela
metade com seu crescimento. Dentro não há nada. Não há ossos, não há poeira. Quão
certamente os mortos estão além da morte. Morte é algo que os viventes carregam
consigo. Um estado de pavor, feito um inquietante antegosto de uma memória
amarga. Mas os mortos não rememoram e o nada não é uma maldição. </span><span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Longe disso.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Ou
até mesmo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">“He
lifted the slice of cake and bit into it and turned the page. The old musty
album with its foxed and crumbling paper seemed to breathe a reek of the vault,
turning up one of these dead faces with their wan and loveless gaze out toward
the spinning world, masks of incertitude before the cold glass eye of the
camera or recoiling before this celluloid immortality or faces simply staggered
into gaga by the sheer velocity of time”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Ele ergueu a fatia de bolo e deu
uma mordida e virou a página. O álbum velho e bolorento com seu papel em verde
desintegração parecia respirar um fedor de jazigo, erguendo um desses rostos
mortos com seu olhar pálido e desamoroso para o mundo giratório, máscaras de incerteza
ante o frio olho de vidro da câmera ou recuando ante essa imortalidade de
celulóide ou rostos simplesmente estagnados em gagá pela absoluta velocidade do
tempo.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(nem
mesmo a chance de uma mini-imortalidade trazida pela fotografia traz qualquer
alento ante o grande nada)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Já
é velho e sabido o problema estrutural da expressão de niilismo em arte: se
toda arte de certa forma almeja alguma grandeza, essa busca em si (o
reconhecimento de ser possível uma grandeza) não é um golpe de morte na
ausência fundamental de sentido? O próprio esforço imenso de criar um texto bem
composto (parece que esse romance demorou vinte anos pra ser concluído) não é
uma afirmação de que existe algo que vale imenso esforço e, assim, a existência
não deixa de ser esse vazio? Temos aí o Beckett e o peso que ele faz até hoje
nos que se interessam pela expressão estética mais apurada em arte literária. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
que exista uma defesa da desistência e do nada por parte do livro, de que não é
possível encontrar algo que tenha qualquer importância, passageira ou final, e
sim o reconhecimento contínuo de que tudo que há de mais horrível e incrível há
por fim de ser engolido, em uma geração ou muitas, que o mundo físico nos
evidencia, em triste paradoxo com o nosso crescente domínio sobre ele, a nossa
inescapável insignificância quando tratamos do universo em escala geológica ou
cósmica, muito mais estáveis e sólidas do que qualquer parâmetro
humano/cultural. O esquema antiguinho de colégio era que o mundo ocidental ao entrar
no Renascimento com as expansões científicas deixou de ser teocêntrico para
antropocêntrico; o irônico é perceber que colocar a existência inteira nas mãos
de Deus o ser humano acaba sendo mais importante (feito à imagem, etc) do que
ele é na concepção materialista, que trouxe tanto progresso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Imagine
se fôssemos forçados a não apenas visitar por alguns segundos e sim viver dentro
daqueles exercícios de visualização em zoom-out a respeito de quão recente é o
mundo industrial/racional/científico em comparação à existência humana
“civilizada”, a organização em civilizações em comparação a toda a existência
humana como animal, a existência de humanos em relação à vida na Terra como um
todo, e o quão recente é a vida na Terra em relação à existência desse planeta
extremamente atípico, e quão ínfimo é o tamanho dele em relação a outros ou,
pior, ao cosmos inteiro. Se a mera absorção dessa informação em um nível
superficial pode ser desconcertante, algo que deixamos de lado para continuar
seguindo nas nossas vidas, o incorporar dela na apreensão da existência do
início ao fim produz loucura, ou uma ficção que parece ter nascido de um
delírio febril prolongado (acho que essa expressão é do Foster Wallace pra
tratar do Cormac).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Creio
que o editor que fizesse o esforço para tornar o livro mais enxuto, clean, e
acessível poderia até acertar nos cortes e de fato chegar a uma versão em que ficassem
apenas as partes melhores, uma organização que conduzisse o leitor do início ao
fim de maneira mais ágil e talvez conseguisse mais leitores (não
necessariamente inferiores). No entanto, ele estaria agindo de uma maneira
racional, econômica, equilibrada, pra tratar de um livro que expressa
primordialmente o irracional, o dispendioso, e o desequilibrado. Os episódios
se substituem sem se complementar/incrementar assim como os personagens de
certa forma também seriam intercambiáveis; para além do Harrogate e a
prostituta com a qual o Suttree se envolve mais longamente, qual outro
personagem se destaca do amplo panorama do livro, a ponto de ser distintamente
reconhecível? Mesmo as histórias frequentemente sendo descabidas, a impressão
distinta é que é tudo uma mesma coisa, apenas gente improvisando com o quase
nada que tem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Acho
que esse quê de excesso e de sobras também se reforça com o fato do livro
tratar de uma classe especial muito específica: as pessoas que sobraram na
sociedade, gente que se desaparecesse do mundo parte significativa da “gente de
bem” não lamentaria e até mesmo ficaria feliz, saudando que a metrópole agora
era um lugar melhor com uma escória um pouco menos populosa. Além de podridão,
morte, e uma natureza rápida para devorar com bolor e líquen o que existia
anteriormente, o cenário frequentemente contém dejetos, ferros-velhos, casas
abandonadas, trastes; da mesma maneira são pessoas de certa forma abandonadas
pela civilização e pelo progresso. São vários os trechos desnecessários, diria
o editor que busca a “eficiência literária” tão frequentemente louvável; são
pessoas desnecessárias, diria mais de um engenheiro social.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Para
além desse lance social, no entanto, fica a expressão de um entendimento a
respeito da própria existência de matéria viva no universo. O texto de McCarthy
ocasionalmente adentra terminologia científica e geológica, não em capítulos ou
parágrafos explicativos, e sim como invasões no-meio-da-frase, interruptoras de
lirismo primitivista duramente esculpido, evocando os milhões de anos ignotos à
experiência humana acessíveis apenas abstratamente, através de resquícios e
reconstituições. Lembro de ter ouvido em algum lugar que de acordo com certo entendimento
das leis da termodinâmica a parte que não cabe no modelo para que ele faça
pleno sentido, em termos de um sistema de transferência de energia entre
diferentes objetos, é a própria vida, que ela não segue os mesmos parâmetros
que a matéria inerte (que forma a maioria absolutamente gigantesca do que há no
universo). Assim, o inchaço do texto pode ser lido também como uma construção
estética que evoca justamente o ponto de vista naturalista que estrutura a
visão de mundo de McCarthy, naturalista não por uma natureza romantizada do
equilíbrio, perfeição e idílio, e sim a brutalidade estúpida e cega de um
sistema material que existe com vida tanto quanto poderia existir apenas de
terra e deserto, como na maioria aterrorizante dos outros planetas. O inchaço
do livro, abundante em sobras, é assim como o inchaço da matéria que acaba por
resultar em vida, esse absurdo autônomo auto-reprodutivo que segue em expansão até
sua capacidade máxima mesmo carecendo de motivo discernível para existir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Um último trecho, porque sim: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">“A
clear night over south Knoxville. The lights of the bridge bobbed in the river
among the small and darkly cobbles isomers of distant constellations. Tilting
back in his chair he framed questions for the quaking ovoid of lamplight on the
ceiling to pose to him:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Supposing
there be any soul to listen and you died tonight?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">They’d
listen to my death.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">No
final word?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Last
words are only words.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">You
can tell me, paradigm of your own sinister genesis construed by a flame in a
glass bell.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">I’d
say I was not unhappy.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">You
have nothing.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">It
may be the last shall be first.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Do
you believe that?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">No.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">What
do you believe?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">I
believe that the last and the first suffer equally. Pari passu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Equally?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">It
is not alone in the dark of death that all souls are one soul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Of
what would you repent?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Nothing.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Nothing?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="EN-US" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">One
thing. I spoke with bitterness about my life and I said that I would take my
own part against the slander of oblivion and against the monstrous facelessness
of it and that I would stand a stone in the very void where all would read my
name. </span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Of
that vanity I recant all”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma noite límpida sobre o sul de
Knoxville. As luzes da ponte boiavam no rio entre as pedras escuras isômeras de
constelações distantes. Inclinando sua cadeira para trás ele montava questões
para o ovóide trêmulo de luz-de-lâmpada colocar para ele:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Supondo que haja qualquer alma para
ouvir e você morresse esta noite?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ouviria minha morte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nenhuma última palavra?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Últimas palavras são apenas
palavras<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Você pode me dizer, paradigma de
sua própria gênese sinistra construído por uma chama em uma campânula de vidro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eu diria que eu não fui infeliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Você não tem nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pode ser que os últimos serão os
primeiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Você acredita nisso?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No que você acredita?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eu acredito que os últimos e os
primeiros sofrem igualmente. Pari Passu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Igualmente?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não é sozinho no escuro da morte
que todas as almas são uma alma.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Do que você se arrepende?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nada?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma coisa. Eu falei com amargura
sobre minha vida e disse que eu faria minha parte contra a calúnia do
esquecimento e contra seu monstruoso anonimato e que eu ergueria uma pedra no
próprio vazio onde todos leriam meu nome.
Dessa vaidade eu abjuro por inteiro."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">--- <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pós
escrito egocêntrico: curiosamente essa percepção mais definida do livro e sua organização
chega depois de terminar de escrever um segundo romance que em sua composição
de fato operou pela regra de ser conciso (mais ou menos duzentas páginas versus
as seiscentas e cinquenta do primeiro projeto). A alternativa de não ser conciso não é uma
liberdade de uma constrição injusta: o critério fundamental e incontornável da
qualidade permanece. Não é uma espontaneidade/naturalidade (há quem acredite
nisso) ou mesmo falta de controle do Cormac: pelo contrário, o controle apenas
se torna mais difícil, por falta do parâmetro que em geral é dos mais razoáveis
e aconselháveis.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Estou
com uma ideia para um terceiro romance, ainda mais curto. Para mim fica cada
vez mais claro que um livro ser curto ou comprido não é só uma questão de
quantidade de coisa (ideias ou acontecimentos da narrativa) dentro dele, ou poderio
autoral de construir muito mantendo-se um nível alto de qualidade: existe
também um quê de característica intrínseca do material escolhido para se
narrar. A concisão é sem dúvida um bom parâmetro, mas não deve acabar por
excluir possibilidades de expressão literária.<o:p></o:p></span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-47567797730411138282016-05-12T11:10:00.001-07:002016-05-12T14:00:24.266-07:00Fogo Pálido e o substrato biográfico<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2260" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
No espírito daquele registro de diário do Kafka em que escreve algo do tipo "hoje a Alemanha declarou guerra à Rússia. Aula de natação hoje à tarde", um post semi-breve:</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2260" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2260" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
**</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2260" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2260" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
(Não acho que seja spoiler de Fogo Pálido, mas de qualquer maneira o livro não opera muito nesse registro de enredo)</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2272" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Conhecendo um pouco da vida do autor é impossível ler a última cena de Fogo Pálido sem pensar na velha questão das relações de transposição entre vida e arte. Afinal, narra-se lá um assassinato desastrado em que a vítima acaba atingida por engano (acreditemos ou não na história de Zembla e Jakob Gradus, ou em vez disso enxerguemos tudo como disfarce do pobre Botkin, encontrando embaixo da máscara do assassino um tal de Jack Grey), e um dos fatos mais marcantes da vida do Nabokov decerto foi a morte do pai, em circunstâncias no mínimo parecidas, em Berlim, nas agitações políticas após a 1ª guerra.</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
A sombra do real paira por cima do ficcional, e é a tentação de muitos, em especial leitores menos experientes e jornalistas, achar que nesse semi-segredo biográfico (“ei, você sabia que o pai do Nabokov...”) encontramos a chave do entendimento máximo e final da obra, que o aparato textual todo seria primeiramente uma forma do autor lidar com os sentimentos enterrados por quarenta anos, a morte de John Shade sendo <i style="-webkit-padding-start: 0px;">na verdade</i> a morte de Nabokov Pai sob um disfarce colocado como que por educação do autor.</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Talvez aí seja em parte o motivo do sucesso da onda de autoficção (que ainda não deu vez pra onda seguinte): queima-se essa etapa intermediária, aproveitando-se todas as técnicas herdadas do trabalho literário, ordenação narrativa, construção de cena, etc etc sem o <i style="-webkit-padding-start: 0px;">inconveniente</i> do ficcional lá para atrapalhar nossa consciência, insistindo que é possível que estejamos desperdiçando nosso tempo com algo puramente inventado. Um livro ruim sobre um assunto real, afinal, vale mais do que um livro ruim de ficção: atravessando frases desconjuntadas, argumentos fracos ou o que for, é improvável que se saia da experiência não tendo aprendido nada (nem que seja uma nova forma de estar errado).</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
No entanto, uma leitura menos viciada em encontrar soluções definitivas pode desconfiar do fato de que em <i style="-webkit-padding-start: 0px;">Fogo Pálido</i> muito pouco luto é exercido pela morte de John Shade, seja pelo seu narrador meio/muito louco, seja nas entrelinhas que o releitor pode perceber cuidadosamente esculpidas entre as incoerências e fantasias narradas. Não há elemento político na morte de John Shade, como houve na do Sr. Nabokov, e nem mesmo qualquer heroísmo (o pai dele tentou impedir o atentado, arriscando e perdendo a vida), e não é possível ter dúvidas de que esse elemento de sacrifício certamente marcou a experiência do filho ao absorver aquela tragédia. O que ficou para reaproveitamento, na verdade, é um resumo mínimo do acontecido, convocado nem em suas especificidades circunstanciais do ocorrido, tampouco as consequências psicológicas/subjetivas/traumáticas da coisa. Não sabemos, por meio do romance, o que o autor pensa ou o que sentiu com a tragédia, nem mesmo em leitura atenta, de entrelinhas.</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Não dá pra dizer que o ocorrido é a fagulha que originou o incêndio: a fagulha é o ímpeto e a técnica do artista, o lastro de real é talvez parte das árvores, ou as primeiras (ou as de mais destaque, de acordo com alguns) a serem queimadas.</div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv2111862582MsoNormal" id="yui_3_16_0_ym19_1_1463075998310_2282" style="-webkit-padding-start: 0px; background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Usando uma metáfora risível e agradável da arte como um teatro de fantoches, daqueles feitos de meia, botões coloridos costurados servindo de olhos, em que se coloca a mão por dentro pra mexer a boca sempre imensa, a forma mais interessante de acessar a literatura (e também a arte de uma maneira geral) é a que pensa o substrato biográfico do autor não como a mão por dentro do fantoche como algo que lhe daria existência primordial, sem a qual o personagem deixa de existir para ser apenas uma meia semi-estragada: muito mais interessante é pensar esse lastro de real como parte do tecido da meia, feita de vários retalhos, costurados em grau variável de cuidado para invisibilidade da emenda, não necessariamente situado do lado frontal e visível do fantoche. Ficando às vezes escondido, há quem acredite que naquela tira de tecido estaria o segredo primordial, sagrado, sem o qual a coisa não se sustenta, mas a verdade é que em qualquer obra realmente bem-sucedida qualquer pedaço que vá ser removido acarretará prejuízo para o todo.</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-29386973982084313932016-04-11T12:41:00.001-07:002016-04-11T12:44:50.682-07:00Relendo SuttreeDepois de reler Ruído Branco, Fogo Pálido, agora a vez do Cormac. Na semana passada terminei meu segundo romance (a gaveta não estava satisfeita com só um), bem mais enxuto que o primeiro. Daí resolvi ir ler a obra-prima menos enxuta que eu conheço, só pra dar uma variada. <br />
<br />
Paragrafozinho traduzido rapidamente:<br />
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<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ele
subiu andando a Front Street respirando o frio do anoitecer, o céu ocidental
ante ele ainda num azul profundo e ciânico perfurado pelas formas de morcegos
cruzando cegos e espásticos feito esporos sob microscópio. Um ranço de verduras
fervidas se depreendia da noite e um fiapo de música de rádio o acompanhava
casa a casa. Ele passava por jardins e quintais de concreto rançosos com os
mudos de galináceos alojados e pelas aberturas obscuras entre cabanas onde a
música se deflagrava e morria novamente, passando por luzes de janela apagadas
onde sombras descendiam cúpulas de papel rachado e amarelecido. Pelas tábuas de
madeira malcheirosas criações de coelho onde crianças choravam e covardes cães-vigia
semipelados ladravam e escapuliam.</span></div>
<br />brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-70272901078013575412016-04-07T07:15:00.002-07:002016-04-07T07:15:54.918-07:00Poema do Wallace Stevens escrito em homenagem ao meu blogConnoisseur of Chaos<br />
Wallace Stevens<br />
<br />
I.<br />
<br />
A. A violent order is disorder; and<br />
B. A great disorder is an order. These<br />
Two things are one. (Pages of illustrations.)<br />
<br />
II.<br />
<br />
If all the green of spring was blue, and it is;<br />
If the flowers of South Africa were bright<br />
On the tables of Connecticut, and they are;<br />
If Englishmen lived without tea in Ceylon, and they do;<br />
And if it all went on in an orderly way,<br />
And it does; a law of inherent opposites,<br />
Of essential unity, is as pleasant as port,<br />
As pleasant as the brush-strokes of a bough,<br />
An upper, particular bough in, say, Marchand.<br />
<br />
III.<br />
<br />
After all the pretty contrast of life and death<br />
Proves that these opposite things partake of one,<br />
At least that was the theory, when bishops' books<br />
Resolved the world. We cannot go back to that.<br />
The squirming facts exceed the squamous mind,<br />
If one may say so. And yet relation appears,<br />
A small relation expanding like the shade<br />
Of a cloud on sand, a shape on the side of a hill.<br />
<br />
IV.<br />
<br />
A. Well, an old order is a violent one.<br />
This proves nothing. Just one more truth, one more<br />
Element in the immense disorder of truths.<br />
B. It is April as I write. The wind<br />
Is blowing after days of constant rain.<br />
All this, of course, will come to summer soon.<br />
But suppose the disorder of truths should ever come<br />
To an order, most Plantagenet, most fixed…<br />
A great disorder is an order. Now, A<br />
And B are not like statuary, posed<br />
For a vista in the Louvre. They are things chalked<br />
On the sidewalk so that the pensive man may see.<br />
<br />
V.<br />
<br />
The pensive man…He sees that eagle float<br />
For which the intricate Alps are a single nest.brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-74504164585423120902016-03-09T06:03:00.001-08:002016-03-09T06:03:13.307-08:00Notinha sobre Delillo (versus Cormac)<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9182" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9195" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Revisitando Ruído Branco outra vez, depois de ter passado por toda a obra madura do Delillo (Ruído Branco até Ponto Ômega), percebo que meu entendimento anterior sobre a obra dele em relação à do Cormac McCarthy estava bastante equivocada. Eu tomava a grandeza dos dois como a riqueza ou pelo menos amplitude que existe no campo do triunfo literário, na possibilidade de se escrever uma grande obra partindo de premissas radicalmente diversas: Delillo com seu fascínio/medo por tecnologia e registro tenso, nervoso-paranoico, provavelmente seria lido com desgosto pelo Cormac, interessado no ímpeto primitivista do ser humano, em toda sua violência latente, na incomensurável indiferença do universo.</span></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9196" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">O niilista diz ao paranoico: como você é metido.</span></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9197" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9201" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Duas semelhanças surgem, no entanto, e me sinto até constrangido de ter demorado a leitura de tantos livros de ambos autores para perceber. Primeiramente, o entrelaçamento indissociável de fascínio-e-medo como modo de percepção de mundo: em Delillo, pelo mundo tecnológico construído em categorias que pouquíssimas pessoas conseguem acompanhar e que no entanto afetam a todos, e em Cormac, pela natureza, que provê e ao mesmo tempo destrói, encanta e apaga a existência sem qualquer pensamento, um burrico escorrega desfiladeiro abaixo podendo igualmente ter sido você, sem que tenha alguém que ache isso realmente lamentável.</span></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9202" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9203" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Mas o que figurou como principal, para mim, é o uso distorcido da retórica. São dois autores que colocam figuras para falar longamente a respeito de suas teorias bizarras e razoáveis a respeito do que constitui a realidade, seja a permanência da guerra e do nada, no caso de Cormac, ou da instabilidade e ininteligibilidade do chão mais básico de sentidos do ser humano no mundo midiático, no caso de Delillo.</span></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9204" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv0376566483MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1457528490497_9205" style="background-color: white; padding: 0px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">E no caso dos dois autores, frequentemente são questões tangenciais à “trama” principal do livro, a ponto de frequentemente não só confundirem o leitor no momento em que acontecem como também terem certo desencaixe em relação ao andamento da ação: a figura ascende ao púlpito não como culminância ou solução do que “acontece” na obra, e sim, principalmente, como parte do cenário, tanto quanto o deserto inclemente estirado de ossos de viventes esquecidos no Cormac quanto nos desfiladeiros de arranha-céus espelhados, vazios ou cheios, em que decisões incompreensíveis são tomadas para afetar e até definir nossas vidas.</span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-5045149990753849972016-03-09T05:14:00.003-08:002022-05-23T15:49:48.706-07:00"Not Knowing", do Donald Barthelme, traduzido<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra tradução express para a aula de introdução a teoria da literatura. Texto bem bom, esse.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Links para dois contos do Barthelme em português:<br />
<br />
O balão<br />
http://derivativo.blogspot.com.br/2013/08/o-balao-donald-barthelme-vo-balloon-em.html<br />
(tradução de Vinícius Portella)<br />
<br />
Ascensão do capitalismo<br />
https://www.dropbox.com/s/24rudo43br9b3pv/n.t._Revista_Literaria_em_Traducao_n_11.pdf<br />
(tradução deste que voz posta. Página 306 do pdf)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
--</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Não-saber (1982)<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Vamos supor que alguém está escrevendo uma história. Do mundo de signos convencionais ele toma um arbusto de azaleia, e a coloca em um parque aprazível. Ele pega um relógio de bolso dourado do mundo de signos convencionais e o coloca sob o arbusto de azaléia. Ele pega da mesma rica fonte um ladrão bonito e um cinto de castidade, coloca o ladrão no cinto de castidade e o coloca gentilmente sob a azaleia, não esquecendo de dar corda no relógio de ouro de maneira que o tique-taque vá, sem demora, acordar o ladrão que agora dorme. Do campus de Sarah Lawrence ele toma emprestado duas alunas já no ano sênior, Jaqueline e Jemima, e as coloca para caminhar nas proximidades do arbusto de azaleia e o belo e casto ladrão. Jaqueline e Jemima acabaram de reprovar o Exame de Registro de Graduação e estão praguejando Deus em linguagem colorida típica de Sarah Lawrence. O que acontece agora?<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Claro, eu não sei.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
É apropriado fazer uma pausa e dizer que o escritor é aquele que, ao embarcar em uma tarefa, não sabe o que fazer. Eu não posso te dizer, nesse momento, se Jaqueline o Jemima serão bem-sucedidas ou fracassarão em seu esforço de dar um jeito na tranca do cinto de castidade, ou se o ladrão, cujo nome é Zenão e que roubou o gabarito do próximo Exame de Registro de Graduação, vai colocar no bolso o relógio de bolso ou entregá-lo ao empregado do parque mais próximo. O destino do arbusto de azaleia, se vai florescer ou se será estrangulado em uma geada terrível, é desconhecido para mim.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Um autor consciencioso pode comprar uma azaleia no Berçário do centro da cidade e um relógio de ouro na Tiffany’s, contratar um belo ladrão direto do presídio da Ilha de Riker, obter o empréstimo de um cinto de castidade do Metropolitan, induzir Jaqueline e Jemima de Bronxville, e arranjar tudo sob vidro para estudar e escrever os resultados em prosa honesta e fastidiosa. Mas fazendo isso ele se coloca no domínio do jornalismo ou sociologia. O não-saber é crucial à arte, é o que permite arte a ser feita. Sem o processo exploratório engendrado pelo não-saber, sem a possibilidade de fazer com que a mente mova em direções não antecipadas, não existiria invenção.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Não se afirma aqui que não sei nada sobre Jaqueline ou Jemima, mas o que eu sei ganha existência no instante em que é inscrito. Jaqueline, por exemplo, odeia a própria mãe, já Jemima adora a dela – eu descubro isso escrevendo a frase que a anuncia. Zenão teve como pai um – o quê? Urso Polar? Par de Patins? Chuva de Ouro? Eu opto pela chuva de ouro, pois Zenão é um herói (ainda que ele tenha acabado de se tornar um por virtude de sua origem dourada). Dentro do relógio de bolso tem uma lenda gravada. Será que eu consigo lê-la? Eu acho que sim. <i>Beba-me</i>, é o que diz. Não, não, não posso usar isso, é do Lewis Carroll. Mas será que o Zenão poderia ser um engolidor de relógios em vez de um ladrão. De novo não, Zenão engasgaria nele, assim como o leitor. Temos algumas regras.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Escrever é um processo de lidar com não-saber, um forçar do quê e do como. Todos nós já ouvimos romancistas testemunhando sobre o fato de, ao começar um novo livro, ficam completamente confusos de como continuar, o que deveria ser escrito e como deve ser escrito, ainda que já tenham feito uma dúzia de vezes. Na melhor das hipóteses há uma magra intuição, não muito maior do que uma coceira. A ansiedade advinda dessa situação não é inconsiderável. “Nada para pintar e nada com o qual pintar”, como Beckett diz de Bram van Velde. O não-saber não é simples, pois é todo limitado com proibições e ruas que não podem ser tomadas. Quanto mais sério o artista, mais problemas ele leva em consideração e mais considerações limitam suas possíveis iniciativas – um ponto ao qual eu retornarei.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Que tipo de sujeito é Zenão? Como vou saber até ele abrir sua boca?<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
– Gentilmente, senhoritas, gentilmente – diz Zenão, enquanto Jaqueline e Jemima surram o cinto com uma pá que pegaram emprestada de um funcionário amigável do parque. E ao funcionário: <u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
– Parece que alguém perdeu esse relógio aqui.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
*<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Vamos mudar a cena.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Alphonse, o funcionário do parque do episódio precedente, o que emprestou a pá, está sozinho em seu deprimente quarto da West Street (eu poderia posicioná-lo tão bem em uma casa geminada de quatro andares na East Seventy-second, mas você reclamaria, e adequadamente, a verossimilhança não permite, nada é calculado mais rápido que um salário). Alphonse, como tantos batalhadores na grande cidade, não é tão simples quanto parece. Como aqueles garçons que na verdade são atores e aqueles taxistas que na verdade são compositores de música eletroacústica, Alphonse passa o dia como funcionário do Departamento de Parques ainda que seja, na verdade um crítico literário. Nós o encontramos escrevendo uma carta ao seu amigo Gastón, também um crítico literário mascarado de guarda do Museu Whitney. Alphonse posa as patas sobre sua Smith-Corona e escreve:<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Caro Gastón,<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Você tem toda a razão – Pós-modernismo está morto. Um golpe estonteante, mas não inteiramente surpreendente. Eu estou espalhando a notícia o mais rápido possível. De forma que todos nossos amigos que estão na “sacola” Pós-modernista podem sair antes de seus carros serem recuperados e as companhias de seguro rasguem suas apólices. Triste ver o Pós-modernismo ir embora (e tão rapidamente!). Eu gostava dele. Gostava tanto, quase, quanto seu grave e nobre antecessor, o Modernismo. Mas não podemos nos alongar no que já passou. A morte de um movimento é uma parte natural da vida, como foi tão bem entendido pelos partidários do Naturalismo, morto também.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Eu me lembro exatamente onde eu estava quando percebi que o Pós-modernismo tinha batido as botas. Eu estava no meu escritório com um copo de tequila e com o novo livro de William Y, <i>Uma-metade.</i> A obra de Y é, nós concordamos, boa – <i>muito</i> boa. Mas quem pode fazer o salto à grandeza enquanto carrega atrás de si os vagões queimados de uma estética morta? Talvez poderemos encontrar um novo emprego para ele. Nas ruas, por exemplo. Quando o insight tomou conta de mim, eu me levantei, derrubando a tequila, e disse em voz alta (ainda que não houvesse ninguém para escutar), “O quê? Pós-modernismo, também?” Tantos, tantos. Eu guardei o livro de Y numa prateleira alta e me virei para a contemplação da morte do Cantochão, 958 depois de Cristo.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
A propósito: o estruturalismo está titubeante. Eu ouvi de Gerald, que está em John Hopkins e, portanto, no meio da confusão. Você não precisa contar para todo mundo. Frequentemente, conversa fiada é o suficiente para dar em um movimento aquele último “empurrãozinho” que faz com que tombe para sua cova. Estou convencido que foi isso que aconteceu ao New Criticism. Estou persuadido que foi Gerald, sussurrando pelos corredores<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Pelo lado bom, uma coisa que está morta e pela qual eu não sinto tão mal é o Existencialismo, que eu nunca achei que fosse mais que a água de banheira da Fenomenologia, mesmo. Teve uma boa carreira, mas como era irritante ouvir todos aqueles artistas pra lá e pra cá naquelas conversas de “momento existencial” e besteiras assemelhadas. Para nossa sorte, eles pararam de fazer isso agora. Semelhantemente, a passagem do Nouveau Roman não me perturbou muito. “Fez do aborrecimento uma religião”, você disse, bem corretamente. Eu sei que essa foi um seus movimentos secos-até-o-osso e tudo mais, mas eu nem gostei do que eles deixavam de fora. Uma omissão limpa geralmente faz subir os cabelos da minha nuca. Aqui não. O único sucesso verdadeiro do Robbe-Grillet, se eu fosse apostar, foi com Ciúmes, que já me contaram foi escrito no meio de uma crise disso.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Bem, onde estamos? Surrealismo já se foi, ficou um pouco doce perto do final, você poderia assistir o vinho da vida se transformar em Gatorade. Grudento. Poemas de Altar – construídos no formato de um altar para a grande honra e glória de Deus – não tem sido vistos muito ultimamente: desaparecidos, imaginado mortos. O anti-romance morreu; li isso no <i>Times</i>. O Anti-herói e anti-heroina tinham um caso que resultou em três Anti-Crianças, todos eles agora no Massachussets Institute of Technology. O romance do Solo está morto, assim como o Expressionismo, Impressionismo, Futurismo, Imagismo, Vorticismo, Regionalismo, Realismo, a Escola de Drama Tudo da Sacola, o Teatro do Absurdo, Teatro da Crueldade, Humor Negro e Gongorismo. Você sabe tudo isso, estou só fazendo a soma. Ser um Pré-Rafaelita na era presente é estar um pouco desconectado. E claro, Poesia Concreta – afundou como uma pedra.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Então nós temos um impasse. O que devemos chamar da Coisa Nova, que eu ainda não encontrei mas que deve estar por aí em algum lugar? Pós-pósmodernismo soa, pra mim, meio cheio de caroços. Andei brincando com a Revolução da Palavra, II, ou a Nova Revolução da Palavra, mas temo que os herdeiros de Jolas possam ter os direitos autorais. Tem que ter a palavra <i>nova</i> em algum lugar. A Nova novidade? Ou talvez pós-novo? É um problema. Eu aguardo seus comentários e sugestões. Se nós estamos para meter uma sela nesse bicho selvagem, nós temos que começar logo.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Com os melhores cumprimentos<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Alphonse<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Se eu sou um pouco mais otimista do que Alphonse sobre Pós-modernismo, por mais duvidoso que seja sobre o termo em si e não inteiramente claro no que diz respeito quem é para estar no ônibus e quem é para estar fora, é porque eu localizo isso em relação a uma série de problemas, e sinto que os problemas são duráveis. Problemas são um conforto. Wittgenstein disse, sobre filósofos, que alguns sofrem de “perda de problemas”, um desenvolvimento em que tudo parece bem simples para ele e o que eles escrevem se torna “imensuravelmente raso e trivial”. O mesmo pode ser dito de escritores. Antes de eu mencionar algumas das dificuldades específicas que tenho em mente, eu gostaria de pelo menos dar uma olhada em algumas das críticas que foram colocadas contra os supostos pós-modernistas – tipo John Barth, William Gass, John Hawkes, Robert Coover, William Gaddis, Thomas Pynchon e eu mesmo nesse país, Calvino na Itália, Peter Handke e Thomas Bernhard na Alemanha, embora outros nomes possam ser convocados. As críticas são mais ou menos assim: que esse tipo de escrtia voltou as costas para o mundo, é em certo sentido sobre outra coisa que não o mundo e sim sobre seus próprios processos, que é masturbatória, certamente fria, e que exclui leitores desde seu princípio, fala apenas aos que têm títulos, ou que não fala nada, em vez disso, feito o segredo de Frost, senta no centro de um círculo e Sabe.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Eu contestaria fervorosamente cada uma dessas proposições, mas é bem fácil ver o que dá base a elas. Os problemas que aparentemente definem a tarefa do escritor nesse momento (na extensão em que ele escolheu eles como seus problemas) não são do tipo que formam uma comunicação fácil, o tipo de trabalho que se joga na direção do leitor com os braços abertos – na verdade, são o reverso disso. Deixe eu citar três dificuldades que eu tomo como importantes, todas tendo a ver com linguagem. Primeiro, tem o próprio projeto de arte, desde Mallarmé, de restaurar frescor para uma linguagem excessivamente manuseada, essencialmente um esforço de encontrar uma linguagem que torna fazer arte possível para começo de conversa. Isto permanece como um tema básico, tão potente, problematicamente, como foi um século atrás. Segundamente, há a contaminação política e social da linguagem pelo seu uso em manipulações de vários tipos no tempo e o esforço para encontrar que pode ser chamado de uma linguagem “limpa”, problemas associados com o Roland Barthes de Grau Zero da Escritura, mas também discutido com Lukács e outros. Finalmente, existe a pressão na linguagem da cultura contemporânea no sentido mais amplo – falo aqui da cultura comercial que devora tudo – que resulta em um empobrecimento duplo: roubar complexidade do leitor, roubar leitor do escritor.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Esses não são as únicas questões espinhentas com as quais o escritor tem de lidar, nem (permitindo aqui diferenças muito grandes entre os praticantes em discussão) todo escritor chamado de pós-moderno responde a eles na mesma forma e no mesmo grau, nem é o caso que outros escritores de tendências bem diferentes são inocentes dessas preocupações. Se eu chamo essas questões de “espinhentas”, é porque qualquer tentativa adequada de lidar com elas automaticamente cria barreiras para a assimilação imediata da obra. Arte não é difícil por querer ser difícil, mas porque quer ser arte. Por mais que o escritor queira ser, em sua obra, simples, honesto, direto, essas virtudes não estão mais disponíveis a ele. Ele descobre que ao ser simples, honesto e direto, nada acontece: ele diz o dizível, enquanto o que estamos procurando é até então indizível, o até então não-dito.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Com Mallarmé o esforço na direção da mímese, a representação do mundo externo, se torna muito mais complexo do que tinha sido antes. Mallarmé sacode as palavras de forma a ficarem soltas daquilo que são anexadas e dá novos sentidos a elas, sentidos que não apontam para o mundo externo e sim para o Absoluto, atos de intuição poética. Este é um passo fatídico; não à toa o Barthes o chama de Hamlet da literatura. Ele produz, de início, uma poesia de dificuldade sem precedentes. Você não vai achar Mallarmé nas citações familiares de Bartlett. Até um admirador fervoroso como Charles Mauron fala da sensação alienante de sua obra. Mauron escreve “todos os que lembram o dia em que olharam pela primeira vez para os <i>Poemas</i> ou <i>Divagações</i> vão dar testemunho à sensação curiosa de <i>exclusão</i> que os colocou, diante de um texto escrito com <i>suas</i> palavras (e mais ainda, percebendo de alguma maneira, magnificamente escritos), de repente fora de sua própria linguagem, privado de seus direitos à fala comum, e, como se fosse, rejeitado pelos seus amigos mais antigos”. A obra de Mallarmé é, e talvez mais importantemente, um passo na direção de estabelecer um status ontológico novo para o poema, como um objeto do mundo em vez de uma representação do mundo. Mas o chão tomado é um chão perigoso. Depois de Mallarmé a luta para renovar a linguagem se torna um dado para o escritor, sua missão exemplar um imperativo. A obra de Mallarmé, “esses sussurro excessivamente próximo ao silêncio”, como colocado por Marcel Raymond, é de uma vez uma liberação e uma perda ao silêncio de um bocado significativo de território.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
O silenciar de uma retórica existente (na frase de Harold Rosenberg) é também o que está em questão nas deliberações do Grau Zero da Escritura e posteriormente – nesse caso uma variedade de retóricas vista como ativamente perniciosa em vez de passivamente inibidoras. A questão é, o que é a cumplicidade de linguagem nos crimes massivos de Fascismo, Stalinismo, ou (por implicação) nossas próprias políticas do Vietnã? No controle de sociedades pelos poderosos e seus funcionários ocupados? Se essas abominações são de alguma forma facilitadas ou tornadas possíveis pela linguagem, a qual grau é essa linguagem ruinosamente contaminada (considerações também suscitadas por George Steiner em seu famoso ensaio “O Milagre Oco” e, muito anteriormente, por George Orwell)? Estou rascunhando aqui, inadequadamente, um argumento razoavelmente complexo; eu não me afeiçoo às soluções experimentais de Barthes mas os problemas demandam o maior respeito possível. Novamente, nós temos uma linguagem profundamente desconfiada de seu próprio comportamento; ainda que essa suspeita não seja diferente do tipo de percepção de Hemingway, no início do século, que palavras como honra, glória e nação eram maculadas, compradas, o ceticismo de agora é bem mais profundo, e informada também pelas investigações de filósofos da linguística, estruturalistas, semióticos. Até conjunções devem ser inspecionadas cuidadosamente. “Eu leio cada palavra com a sensação apropriada a ela” diz Wittgenstein “a palavra “mas” por exemplo com a sensação-mas...” Ele não está errado. Não seria essa sensação-mas, como ele a chama, já nos mandando de cabeça num escorregador lubrificado antes de termos tido o tempo de contemplar a proposição que está recebendo esse mas? Rápido, agora, rápido – quando você escuta “nossos interesses vitais” você para pra pensar se está sendo convidado para o covil, o Zen, o Klan ou o encontro de bruxas em que esses interesses foram definidos? Você falou alguma coisa?<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Ao virar a ação da cultura contemporânea para a linguagem, e assim ao escritor, a primeira coisa a ser percebida é uma perda de referência. Se eu quero um mundo de referência em que todos os leitores possíveis desse país pudessem reagir, só há um universo de discurso disponível, aquele em que o Barco do amor veleja nos mares da paixão como um Holandês voador da paixão e os dedicados homens de branco de <i>General Hospital</i> buscam, com diligência equilibrada, pontes de safena triplas e as enfermeiras. Isto limita as coisas um bocado. A cultura anterior de jornal, que uma vez já lidou com certa quantia de nuance e agitação literária, deteriorou-se chocantemente. O jornal em que trabalhei enquanto jovem, trinta anos atrás, é hoje imitação pálida de sua existência anterior. Onde antes era possível colocar citações falsas e atribuí-las a Ambrose Bierce e ter quase certeza que leitores suficientes entenderiam a piada para fazê-la valer a pena, do ponto de vista do leitor e do escritor, esse chão comum não existe mais. A situação não é peculiar a esse país. Steiner comenta do melhor jornalismo alemão que, lido em comparação com uma edição mediana do Frankfurter Zeitung da época antes de Hitler, é difícil acreditar que ambos foram escritos em Alemão. Do outro lado da balança, muito da descrição mais requintada da realidade, discurso sobre o mundo, agora é carregada em linguagens matemáticas obscuras para a maioria das pessoas- certamente a mim – e as contribuições que as ciências uma vez fizeram para a linguagem comum na forma de cunhagens, novas palavras e conceitos, agora estão disponíveis apenas a especialistas. Quando alguém acrescenta a isso a apropriação feroz da alta cultura por parte da cultura comercial – demora, na minha estimativa, cerca de quarenta e cinco minutos para qualquer novidade na arte para viajar da Galerya Mary Boone na West Broadway para as vitrines de Henri Bendel da Fifty seventh street – é normal começar a apreciar as seduções do silêncio.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Problemas em parte definem que tipo de obra que um escritor decide criar, e não devem ser evitados e sim abraçados. Um escritor, diz Karl Kraus, é um homem que pode criar uma charada a partir de uma resposta.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
*<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Permitam que eu comece novamente.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Jaqueline e Jemima estão instruindo Zenão, que devolveu os documentos do Exame e assim foi restaurado à respeitabilidade tediosa, no Pós-modernismo. Pós-modernismo, dizem a ele, deu as costas para o mundo, não é sobre o mundo mas sobre seus próprios processos, é masturbatório, certamente frio, exclui leitores desde seu princípio, fala apenas aos detentores de títulos, ou não fala nada, mas em vez disso –<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Zenão, para demonstrar que ele também sabe de alguma coisa, cita o crítico Perry Meisel sobre semiótica. “Semiótica”, ele diz, “está na posição de afirmar que nenhum fenômeno tem qualquer status ontológico fora de seu lugar no sistema particular de informação de onde retira seu sentido” – ele toma um gole grande de seu Gibson “e então, toda linguagem é finalmente sem chão”. Estou bisbilhotando e me sinto muito assegurado. Este entendimento é um que eu posso usar. Gastón, o crítico que é um guarda no Whitney Museum, está apaixonado com uma agente da Receita Federal chamada Madelaine, a própria agente da Receita, na verdade, que está fazendo a auditoria da minha declaração de 1982. “Madelaine”, eu falo pra ela bondosamente no almoço “semiótica está numa posição para afirmar que nenhum fenômeno tem status ontológico fora de seu lugar no sistema de informação particular do qual retira seu sentido, e portanto, toda linguagem é finalmente sem chão, incluindo esses recados engraçadinhos que você vem me mandando”. “Sim,” diz Madelaine bondosamente, tirando de seu bolso um relógio de ouro grande que Alphonse vendeu para Gastón por vinte dólares, seus adoráveis olhos violetas brilhando, “mas alguns sistemas de informação são mais obrigatórios que outros”. Ah, ela tem razão.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Se o escritor é entendido como a forma da obra de conseguir ser escrita, uma espécie de para-raios para o acúmulo de perturbações atmosféricas, um São Sebastião de absorver em seu peito esfarrapado as flechas do Zeitgeist, isto muda muito pouco a visão tradicional do artista. Mas dá licença para um tanto significativo de imperialismo crítico.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Isto é algo divertido para todos. Alguns anos atrás eu recebi uma carta de um crítico pedindo permissão para reimprimir uma história minha como um adendo à peça que ele tinha escrito. Ele anexou a cópia da minha história que ele pretendia reproduzir, e eu fiquei pasmo em descobrir que minha pobre história tinha crescido um tanto de números pequeninos – um a oitenta e oito, como bem me lembro – um exército de números pequeninos marchando pela superfície do meu pobre texto distraído. Resisti a tentação de contar para ele que os numerozinhos estavam nos lugares errados, dei a ele permissão para fazer o que ele desejava, mas eu percebi que por uma espécie de judô literário o status do meu texto tinha sido reduzido a o status de uma nota de pé de página.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Existe, nesse tipo de crítica, um elemento de agressão que leva um a fazer uma pausa. Desconstrução é um empreendimento que anuncia suas intenções com candor que assusta. Toda obra de arte depende de uma série complexa de interdependências. Se eu arrancar o pneu de borracha da barrica do bode famoso de Rauschenberg para determinar, no interesse de um entendimento mais sutil da obra, se o pneu é da BF Goodrich ou da Uniroyal, a obra se despedaça, mais ou menos nas minhas costas. Eu digo isso não porque eu acho esse tipo de trabalho sem valor e sim porque o mistério que vale estudar, para mim, não é o significado das partes mas como eles se juntam, o esforço de botar o pneu passando pelas patas traseiras do bode. Calvin Tomkins nos diz em <i>The Bride and the Bachelors</i> que o próprio Rauschenberg diz que o pneu parecia “algo tão inevitável quanto o bode”. Ver tanto o bode quanto o pneu como escolhas “inevitáveis”, no contexto do fazer-arte, é iluminar justamente como o processo combinatório pode ser estranho. E a escolha também não foi apressada; Tomkins nos diz que o bode tinha estado no estúdio por três anos e apareceu em duas versões anteriores (a versão final é intitulada “monograma”) antes de conhecer o pneu.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Críticos dos dias moderno falam da “recuperação” de um texto, sugerindo um cuidar acelerado e possivelmente cansativo até que o texto basicamente adoentado volte à situação saudável, ele muito provavelmente nem sabendo que estava mal. Eu argumentaria que nas metodologias em competição da crítica contemporânea, várias delas muito ricas em implicações, uma espécie de tirania de grande expectativas obtém, uma fúria por explicações finais, uma recusa de permitir à obra o mistério que é essencial a ela. Eu espero que eu não esteja constituindo uma mistificação se eu digo, não que a tentativa não deva ser feita, mas que o mistério existe. Eu não vejo forma imediata pra fora do paradoxo – rasgue um mistério até sobrar farrapos e você terá farrapos, e não mistério – eu apenas tomo nota e passo adiante.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Podemos, no entanto, tentar imaginar por um momento o porquê do bode estar com sua guirlanda de pneu ser de alguma forma um objeto mágico em vez de, digamos, apenas uma ideia besta. Harold Rosenberg fala da obra de arte contemporânea como “ansiosa”, imaginando: serei eu uma obra prima ou apenas um tanto de tralha? (Se eu pegar vários dos meus exemplos aqui do mundo de arte em vez do mundo de literatura é porque as questões são mais rapidamente vistas no primeiro: “bode” e “pneu” estão aqui no lugar de páginas de prosa ou quilos de poesia.) O que precisamente é no ajuntar de bode e pneu que é mágico. Não é a surpresa de ver o bode pneuzado, embora seja parte disso. Alguém poderia dizer, que o pneu <i>contesta</i> o bode, <i>contradiz</i> o bode, como modo de ser, até mesmo que o pneu repreende o bode. Ou no nível mais do trocadilho, que o bode sofre de uma espécie de pneumonia. Ou que o coitado do pneu <i>foi</i> <i>capturado</i> pelo bode, que estava pescando no rio Hudson – bodes comem tudo, como se sabe – ou que o bode está sendo <i>consumido pelo</i> pneu; está por fora, afinal, mecanização toma o comando. Ou que o bode com sua barbicha de bode está protestando a doença de seu amigo, o pneu, vestindo ele como uma espécie de bóton de GREVE. Ou em dois modelos contrastantes de infinito estão sendo representados, pneus e bodes ambos sendo infinitamente reprodutíveis, o primeiro dependendo da sorte da Companhia B.F. goodrich e o segundo no entusiasmo copulatório de bodes – linhas de produção paralelas que de repente se encontram. E assim adiante. O que é mágico sobre o objeto é que ele ao mesmo tempo convida e resiste interpretação. Seu valor artístico é mensurável pelo grau em que permanece, depois da interpretação, vital – nenhuma interpretação ou puxa-empurra cardiopulmonar pode exaurir ou esvaziá-la.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
*<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Vamos discutir a condição de minha escrivaninha. Está bagunçada, suavemente bagunçada. A bagunça é física (copos de café, cinzas de cigarro) e espiritual (contas não pagas, romances não escritos). A vida emocional do homem que senta na escrivaninha é também bagunçada – estou apaixonado por um par de gêmeas, Hilda e Heidi, e num acesso de entusiasmo eu me alistei no exército boliviano. O apartamento em que a escrivaninha é localizada parece ter sido sublocado de Moonbeam McSuíno. Nas ruas fora do meu apartamento a neve derretendo revelou um sortimento variado de etc etc. Mais ainda, a organização social do país é desarrumada, a situação mundial está em desarranjo. Como vou recriar essa bagunça, se eu for bem sucedido, o que terei feito?<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">[[De maneira geral nós concordamos que eu procuro encontrar equivalentes verbais do que quer que seja e busco recriar. As contas não pagas são fáceis. Eu apenas preciso citar uma: ÚLTIMO AVISO DE DESCONEXÃO. Hilda e Heidi são um pouco mais difíceis. Eu posso dizer que elas são belas – por que não? – e você vai mais ou menos concordar, ainda que essa frase careca mal tenha mexido nos seus sentidos. Eu posso descrevê-las – Hilda tem o mapa da Bolívia tatuado na bochecha direita e Heidi usa, habitualmente, na mão esquerda, um soco inglês feito de prata sólida – e elas dão um passo mais pra perto. Melhor de tudo, posso permiti-las a falar, pois elas falam como nós.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
“No dia dos namorados” diz Hilda “ele me mandou ostras, uma dúzia e meia”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
“Ele me mandou ostras também” diz Heidi “duas dúzias”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
“As minhas eram ostras de cabo longo” diz Hilda “ em uma cama do espinafre mais maravilhoso”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
“Ah sim, espinafre” diz Heidi “ele me mandou espinafre, quilômetros e quilômetros de espinafre, tendo escrito cada pedaço ele mesmo”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Para recriar adequadamente o “bagunçado”, a ponto que você seja capaz de senti-lo – ele deveriam, idealmente, espantar seus apatos – eu deveria ser mais gráfico do que o decoro da ocasião permite. O que deveria ser enfatizado é que se procede por meio de particularidades. Se eu sei qual é a sensação do soco inglês na mão esquerda de Heidi é porque eu comprei um uma vez, numa loja de penhores, não para esmagar a cara de alguém mas para exibi-lo em um pedestal numa amostra de museu devotada a artefatos culturais de status ambivalente. O mundo entra na obra da forma como entra em nossas vidas comuns, não como visão-de-mundo ou sistema e sim como particularidade afiada: um reclame de imposto de Madelaine, uma bola de neve contendo o currículo de Gastón.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
As palavras com as quais eu tento recriar “bagunçado”, como quaisquer outras palavras, não são inertes, e sim furiosamente ocupadas. Não confundimos as palavras “o gosto de chocolate” pelo gosto do chocolate em si, mas também não perdemos a provocação de <i>gosto</i>, o choque do <i>chocolate</i>. Palavras tem halos, pátinas, saliências, ecos. A palavra Halo, por exemplo, pode invocar São Hilário, do qual temos visto pouco demais ultimamente. A palavra página nos traz de volta para o brilho de estanho do halo do santo. A palavra saliência nos lembra que nós temos um compromisso de sair com o São Hilário, aquele estrondoso tédio. A palavra <i>eco</i> nos restaura a Eco em si, pousada feito a garota de White Rock na saliência de uma pátina de um halo – chão não firme, não queremos que o pobre espírito pule na lagoa onde Narciso floreja eternamente, eles vão trombar testas, ou talvez outras partes mais próximas dos pés, um escândalo. Tem chocolate esfregado pelo halo de São Hilário – bagunçado, bagunçado...<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
A agilidade combinatória das palavras – a geração espontânea de sentido uma vez que permitimos que elas possam ir para a cama juntos, permitem ao escritor que se surpreenda, torna a arte possível, revela o quanto do Ser ainda não encontramos ainda. Poderia ser argumentado que computadores podem fazer essas coisas por nós, com computadores-críticos monitorando sua produção. Quando computadores aprenderem a fazer piadas, artistas estarão metidos numa encrenca séria. Mas artistas responderão de maneira a tornar arte impossível ao computador. Eles redefinirão arte para levar em consideração (isso é, excluir) tecnologia – o impacto da fotografia na pintura e a resposta brilhante da pintura sendo um exemplo claro e comparativamente recente.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
A história prévia das palavras é uma dos aspectos da linguagem que o mundo usa para se contrabandear para dentro da obra. Se palavras podem ser contaminadas pelo mundo, também podem carregar com elas para dentro da obra elementos e traços do mundo que podem ser usados em um sentido positivo. Nós devemos permitir as vantagens e desvantagens.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Noticiário tardio: Hilda e Heidi tiveram um bebê, com o qual elas estão inteiramente descontentes, ele não tem cartões de créditos e não fala francês, vão mandar de volta... Bagunçado.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Estilo não é muito uma questão de escolha. Não se senta para escrever e se pensa: será esse um poema de Rainha Anne, um poema Biedermeier, um poema da Secessão Vienense ou um poema do Chippendale Chinês? É, na verdade, uma resposta a uma restrição e o tomar de uma oportunidade. Muito frequentemente uma restrição é uma oportunidade. Parecia impossível escrever <i>Dom Quixote</i> novamente, e ainda assim Borges o fez com grande estilo, melhorando o original (como ele não demora para nos contar) enquanto permanece fiel a ele, fiel como um piolho na barriga de um cão. Eu não quero dizer que os caprichos não intrometem. Porque eu evito, o máximo possível, usar a semi-vírgula? Deixe eu ser claro: a semi-vírgula é feia, feia como o piolho na barriga do cão. Eu os pinço pra fora de minha prosa. O grande escritor Arno Schmidt, bêbado-de-pontuação, tem uma média de onze por página.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Estilo é, claro, <i>como</i>. E o grau em que esse <i>como </i> se torna <i>que</i> – desde, digamos, Flaubert – é uma questão que homens de consciência já desfiaram muito a respeito, como deveriam. Se eu digo do meu amigo que nessa questão suas bolas de gude estão um pouco achatadas na lateral, isso não quer dizer que eu não amo meu amigo. Ele, por outro lado, considera que eu estou eivado de estranhos imperativos, e que a pequena peça que eu dei ao mundo na semana passada, embora boa o bastante por si só, teria sido vastamente melhorada se minha estética deplorável não tivesse feito com que eu a compusesse pro banjolelê, uma mistura de banjo com uke. Babel seja abençoada.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Vamos supor que eu sou o tocador de banjolelê mais durão da cidade e que eu fui contratado pra tocar “Melancholy Baby” por seis horas frente a uma platéia que há de incluir os quatro próximos tocadores de banjolelê mais durões da cidade. Vamos imaginar um porão de uma casa noturna esfumaçado, garçons de má índole (eles mesmo estudantes do banjulelê de jazz), Jaqueline, Jemima, Zenão, Alphonse, Gastón, Madelaine, Hilda e Heidi formando um grupo habitual do bar. Tem uma coisa que você pode ter certeza: eu não vou tocar “Melancholy Baby” do jeito que foi escrita. Em vez disso vou tocar algo que é paralelo, de certa maneira, a “Melancholy Baby”, <i>tendo a ver com</i> “Melancholy Baby” – comentário, exegese, elaboração, contradição. O interesse da minha construção, se há algum, é ser colocado no espaço entre a nova entidade que eu construí e o “Melancholy Baby” “real”, que permanece na mente como o horizonte que limita meus esforços.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Esse é, eu acho, a relação da arte com o mundo. Eu sugiro que arte é sempre uma meditação sobre a realidade externa em vez da representação da realidade externa ou uma tentativa barbeira de “ser” realidade externa. Se eu tiver uma performance razoavelmente boa, ninguém vai me acusar de não prover uma verdadeira reprodução, verificável, nota a nota, de “Melancholy Baby” – será reconhecido que isso não foi o intuito original. Vinte anos atrás eu estava muito mais convencido da autonomia do objeto literário do que estou agora, e até escrevi uma defesa até persuasiva da proposição que acabei de rejeitar: que o objeto é em si mundo. Iludido pela retórica da época – o escultor Philip Pavia publicava na época uma revista ótima chamada <i>It is</i>, e isso era típico – eu percebia que o chão alto tinha sido tomado e eu queria colocar minhas maltratadas botas de caubói ali. A proposição ainda é atraente. Qual é a resposta? Babel seja abençoada.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Alguns anos atrás eu visitei o estúdio de Willem de Kooning no East Hampton, e quando as portas grandes se abriram não dá para não ver – é um choque, a relação entre o mundo verdejante externo invadindo e as pinturas. Precisamente como que de Kooning consegue destilar natureza na arte é um mistério, mas a relação explosiva está ali, eu vi. Uma vez quando eu estava no estúdio de Elaine de Kooning na Broadway, numa época em que o escultor de metal Herbert Ferber ocupou o estúdio imediatamente acima, veio pelo chão uma barulheira estrondosa das mais horríveis. “O que raios é isso”, eu perguntei, e Elaine disse “ah, é o Herbert pensando”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Arte é um relato verdadeiro da atividade da mente. Por a consciência, na formulação de Husserl, é sempre consciência <i>de</i> alguma coisa, arte pensa sempre do mundo, não pode não pensar do mundo, não poderia virar as costas para o mundo mesmo se fosse esse seu desejo. Isto não quer dizer que vai ser sincero feito um carteiro; é mais provável que apareça como uma drag queen. Os problemas que mencionei mais cedo, assim como outros não suscitados, propõem complexidade. “Não passamos muito tempo diante de uma tela cujas intenções são achatadas” escreve Cioran, “música de certo caráter específico, contornos inquestionáveis, gastam nossa paciência, poemas excessivamente explícitos parecem... incompreensíveis”. Flannery O’Connor, artista do primeiro escalão, famosamente desgostava de tudo que parecesse engraçado na página, e seu desgosto foi amplamente tomado como um golpe duro no experimentalismo. Mas teria ela também desgostado de qualquer coisa que tivesse aparência engraçada na parede. Se for assim, uma privação severa. Arte não pode permanecer em um só lugar. Certo movimento para cima, para baixo, atravessando e até um galope em direção a passado, é uma precondição necessária.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Estilo nos permite a falar, a imaginar de novo. Beckett fala da “longa sonata dos mortos” – de que parte desse mundo veio a palavra sonata, impondo como faz um design ordenado e exaltado no fenômeno mais desordenado e inquetante conhecido a nós? O fato não é contestado, e sim entendido, momentaneamente, de uma maneira nova. É nossa boa sorte ser capaz de imaginar realidades alternativas, outras possibilidades. Podemos disputar com o mundo, construtivamente (ninguém vivo* disputou com o mundo de maneira mais extensa e esplêndida que Beckett). “Crença no progresso” diz Baudelaire “é uma doutrina de desocupados e Belgas”. Talvez. Mas se eu tenho algo não-ortodoxo para oferecer aqui é que o projeto da arte é fundamentalmente melhorativo. O intuito de meditar sobre o mundo é finalmente mudar o mundo. É nesse aspecto melhorativo da literatura que provém dela sua dimensão ética. Todos nós somos Upton Sinclairs, até mesmo aquele Hamlet, Stephane Mallarmé.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: start;">
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brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-19169128283971890672016-03-09T05:07:00.001-08:002016-03-14T16:39:45.281-07:00"After Joyce", do Barthelme, traduzidoUma traduçãozinha rápida do After Joyce, do Barthelme, para uma aula que darei como convidado na matéria de Introdução a Teoria da Literatura. Deixei de fora a página do texto que discute ficcionistas contemporâneos, pois não serviria para a aula.<br />
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No meio do texto (eita) tem um parágrafo do Finnegans Wake que fiz o que pude pra passar pro português, tendo em vista meu conhecimento de enciclopédia sobre o livro(no sentido de ser do tamanho de um verbete superficial de enciclopédia, não de poder fazer uma enciclopédia sobre o livro). Botei o original embaixo, caso alguém queira saber como era.<br />
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Após Joyce (1964)<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Escrevendo sobre arte revolucionária em um ensaio de início de carreira intitulado “The Calling of the Tune”, Kenneth Burke diz:<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt 70.8pt;">
<i>Quanto maior a dissociação e descontinuidade desenvolvidas pelo artista em uma arte de-outro-mundo que deixa as coisas de César tomarem conta de si mesmas, maior se torna a dependência do artista a um líder que aceitará a responsabilidade para fazer o “serviço sujo” do mundo.<u></u><u></u></i></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Essa descrição do artista virando as costas para a comunidade em busca de seus projetos “de outro mundo” (a partir do qual a comunidade prontamente se despedaça) é bastante familiar, aceita até por alguns artistas. Joyce, Gertrude Stein, e os escritores da escola da <i>transição</i> (Burke menciona eles especificamente) são vistos como desertores, criando seus próprios mundos que são imaginados como não tendo nada a ver com o mundo maior. A imagem é, creio eu, inteiramente incorreta, mas eu quero falar não sobre o suposto erro de Burke nessa questão e sim sobre outra coisa.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
As opiniões duras de Burke trazem a questão complicada do que “se trata” a arte, e o deslocamento misterioso que ocorre assim que alguém diz que arte não é sobre alguma coisa e passa a <i>ser</i> alguma coisa. Ao dizer que o escritor cria “dissociação e descontinuidade” em vez de meramente descrever uma descontinuidade e dissociação previamente existentes (a palavra chave é “desenvolvidas”), Burke percebe que com Stein e Joyce a obra literária se torna um objeto no mundo em vez de um texto ou comentário no mundo – uma mudança crucial em status que também estava acontecendo em pintura. Com Joyce, e em medida menor Gertrude Stein, ficção alterou seu lugar no mundo em um movimento tão radical que suas consequências ainda estão para ser assimiladas.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Satisfeitos nem com o mundo existente e nem com a literatura existente, Joyce e Stein modificam o mundo acrescentando ao seu repertório de objetos o objeto literário – que então se encontra do mesmo jeito como outros objetos no mundo. A questão se torna: qual é a natureza do novo objeto? Aqui é possível ver um resultado imediato do deslocamento. Interrogando obras antigas, a questão é: o que você diz sobre o mundo e estar no mundo. Mas o objeto literário é em si “mundo” e a vantagem teórica é que ao perguntar a ele você está fazendo perguntas diretamente ao mundo. Isso soa como uma espécie de ato de ventríloquo – o escritor jogando sua voz. Mas é, na verdade, um ganho estratégico incrível para o escritor. Ele de fato se removeu da obra, da maneira como Joyce o instruiu a fazê-lo. O leitor não está ouvindo a um relato de autoridade do mundo feito por um expert (Faulkner sobre o Mississipi, Hemingway sobre touradas) mas se trombando contra algo que está <i>ali</i>, feito uma rocha ou um refrigerador. A questão tão frequentemente feita à pintura moderna “o que é isso?” contém mais do que o tedioso ceticismo do homem que não vai se deixar enganar. Ela expressa um lugar fundamental em relação ao trabalho, aquele do viajante do mundo se deparando com um objeto estranho. O leitor reconstitui o trabalho por sua participação ativa, aproximando-se do objeto, batendo de leve nele, sacudindo, segurando-o contra o ouvido para ouvir o rugido interior. É característico do objeto que ele não se declara todo de uma vez, em uma pressa de ingenuidade agradável. Joyce reforça o jeito que Finnegans Wake deve ser lido. Ele concebeu a leitura como um projeto de vida inteira, o livro permanecendo sempre ali, feito a paisagem ao redor do lar do leitor ou os prédios circundantes do apartamento do leitor. O livro permanece problemático, não exaurido.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Valéry uma vez escreveu: “Às vezes eu penso que existirá lugar no futuro para uma literatura cuja natureza vai se assemelhar com a de um esporte. Vamos subtrair, de possibilidades literárias, tudo que hoje, por expressão direta de coisas e estímulo direto de sensibilidade por novos meios – filmes, música onipresente etc- está se tornando inútil ou ineficaz para a arte da linguagem. Vamos também subtrair uma categoria inteira de assuntos – psicológicos, sociológicos etc – que a precisão crescente das ciências vai tornar difícil de tratar livremente. Vão restar às letras um domínio privado: a expressão simbólica e de valores imaginativos vindos da combinação livre de elementos da linguagem”.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Os livros de Joyce apresentam primeiro uma superfície linguisticamente empolgante, densa, cintilante, aqui opaca, aqui transparente. “A cafetina do padeiro ela desliza sua mão na sacola de feijão, a dona aguardando beberica seu gole de uma lata de parafina, Sra Lebreselvagem Médicorápido salteia a saia calçada acima o instinto acesto ela rebanha se um tinido de torvão, a viúva de Megrievy ela cose camas de gatos, esta atriz bondosa coleirando um saqueador sob sua língua, e aqui está a garota a quem ela ajoelhou de maneirafria...”(1) A biografia de Ellmann nos conta que Joyce “defendia sua linguagem... como um meio principalmente emocional construído de aglutinações e afinamentos...” De fato ele procede como um homem tecendo uma manta do que pode ser encontrado em uma loja de ferramentas. A estranheza desse projeto é uma parte essencial dele, e quase seu propósito. O tecido se desfaz, certamente, mas onde ele se mantém junto nós temos o privilégio de encontrar um mundo feito novo. Semelhantemente, quase qualquer citação de Gertrude Stein mostra uma disposição a seguir a linguagem onde quer que ela leve (e se leva a lugar nenhum, mostrar como central isso): “Muito recentemente conheci um homem que disse, como vai. Uma história esplêndida”. Essas perversidades respondem perfeitamente às especificações de Valéry.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Argumenta-se que a situação ontológica da obra literária sempre foi essa, que o Progresso do Peregrino é um “objeto” nesse sentido tanto quanto Finnegans Wake. Mas tal argumento ignora a situação modificada advinda de quando o escritor ou escritora está ciente de e explora as possibilidades desse lugar especial. Joyce e Stein colhem os benefícios de uma nova estratégia. Suas criações modificam o espectador. Eu não creio que é caprichoso, por exemplo, dizer que o Governador Rockefeller, diante de seus Mirós e de Koonings, é em parte modificado por eles, e se não fazem dele um Democrata ou Socialista eles pelo menos mudam o caráter de seu Republicanismo. Considerado nessa luz, a hostilidade soviética à arte “formalista” se torna mais inteligível, assim como a antipatia de senadores, prefeitos e figuras de comitês governamentais. Da mesma forma, o livro de Joyce trabalha sua vontade radicalizante em todos os homens em todos os países, até sobre aqueles que não leram e jamais vão ler.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Como disse Marshal McLuhan em outra conexão, <i>o meio é a mensagem</i>.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
O esforço do artista, sempre e em qualquer lugar, é obter um modo novo de cognição. Ao mesmo tempo que ele luta para se desembaraçar de procedimentos que o forçam a dizer coisas que sejam comuns ou falsas. O que faz de um objeto literário uma obra de arte é a intenção do artista. Quando Roy Lichtenstein propõe como arte uma tirinha de quadrinho aumentada, uma réplica em cada detalhe exceto na escala de uma tirinha de quadrinho, nós somos apresentados com a intenção do artista, seu gesto, sua nudez. (Sua “declaração” pode ser, caracteristicamente, uma pergunta: <i>O que você pensa de uma sociedade em que essas coisas são vistas como arte?</i>). Nessa maneira as preocupações sociais e histórias re-entram a ambientação do trabalho. Longe de querer dizer que a literatura é seu próprio assunto, o trabalho que é um objeto é rico em possibilidades. A intenção do artista pode variar em qualquer direção, incluindo as direções que tem a aprovação de críticos voltados para questões sociais. O que é importante é que ele tem se colocado em uma posição para ganhar acesso a uma gama de sentidos anteriormente inacessível a sua arte.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Os escritores que se aproveitavam dessa estratégia particular são poucos, e as razões para isso são óbvias. Não apenas existiram fracassos altamente visíveis, mas mesmo os sucessos tem sido intimidantes. Finnegans Wake não é uma obra que encoraja emulação. Ezra Pound anunciou cedo que nas porções que ele tinha lido, as recompensas não tinham valido o esforço de decifração, e essa permaneceu como a opinião geral (ainda que escondida). Escritores tomam emprestado esboçar em padrões de mito ou o fluxo de consciência de Joyce, e pensam que Wake como um monumento ou uma obsessão, de qualquer maneira algo que não precisa ser repetido. Semelhantemente, Gertrude Stein é tida como uma excêntrica interessante, ligeiramente tola, que teve algo a ver com a carreira de Ernest Hemingway e comprou várias pinturas de valor a preços extremamente baixos. <i>Transição</i> se torna um campo de batalha negligenciado coalhado de caixas vazias de cartuchos e cavalos mortos da Revolução da Palavra. Ficção depois de Joyce parece ter se dedicado para propaganda política, romances de relações sociais, a contos construídos como ratoeiras para suprir, ao fim, um pequeno insight tendo a ver tipicamente com inocência violada, ou a obras escritas como veículos para dizer não! em trovão. (O operador da folha de metal é imediatamente colocado sob suspeita; suspeitamos de ser um homem feliz.)<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Dois ensaios de Mary McCarthy sugerem a situação da ficção após Joyce, ou pelo menos aqueles escritores que escolheram considera a obra dele como um desvio em vez da rua principal. No primeiro, “O Fato na ficção”, senhorita McCarthy argumenta que o romance, concebido como uma coleção de fatos, não pode sobreviver a um confronto com o mundo contemporâneo, concebido como uma textura de coisas implausíveis. Diante da Bomba, Buchenwald e a explosão populacional, o romancista gagueja “parece que o romance, com o seu bom senso, é de todas as formas a menos adaptada a dar conta do mundo moderno, cuja característica principal é a irrealidade. E assim, da maneira como eu entendo, o romance está morrendo.”<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
O que é curioso é a forma que a senhora McCarthy limita seu meio. Ela começa definindo o romance de tal maneira para incluir todas as grandes obras do passado e tornar o futuro duvidoso, definido o romance como uma estrutura de fato e seguindo adiante para declarar a ereção de tais estruturas não mais possível pelos fatos terem se tornado “irrealidade”. Ela não se preocupa muito em como essas torres condenadas se mantém juntas, apenas com o agregado que forma sua substância. No segundo ensaio, “Personagens em Ficção”, ela explicitamente condena fuçar com novos designs: “um impasse foi encontrado na arte de ficção como resultado de progresso e experimentação”. Inovação formal, ela acha, expulsou um interesse em pessoas, enredo, personagem, o social. Pelos dois ensaios ela argumenta de maneira persuasiva para um retorno às virtudes tradicionais da ficção, para receitas de geleia e receitas para Senhora Micawber.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Isso soa como a declaração de falência temperada com uma denúncia que o parceiro culpado fugiu com a grana. Os fatos da vida contemporânea não são fatos “reais”, como os disponíveis a Tolstoi; portanto ou meu empreendimento é impossível ou eu devo retornar ao tipo de material que pode acomodá-lo, isso é, a substância do romance do século dezenove. Estranhamente, detecta-se um medo da ciência, o “jogo de linguagem” em que o conceito de <i>progresso e experimentação</i> tem seu lar original. Ciência fraquejou para sempre o otimismo ingênuo em relação a essas ideias (e senhora McCarthy já disse que <i>O Grupo</i> é sobre a ideia de progresso). Ansiedade advinda da Bomba é traduzida como uma abominação de inovação literária. De qualquer forma, o manifesto conservador da senhorita McCarthy adequadamente expressa um dilema real – aquele do escritor traído por formas antiquadas.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
(...) [exemplifica como tentativas bem-sucedidas de criação de objeto literário em Burroughs, Beckett, Kenneth Koch, etc.] (...)<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
Os romancistas franceses, Butor, Sarraute, Robbe-Grillet, Claude Simon, Philippe Sollers, tem por outro lado sido bem sucedidos em fazer objetos de seus livros sem colher nenhum dos benefícios estratégicos da manobra – um triunfo da inteligência mal-alocada. Seus trabalhos parecem pesados, auto-conscientes do jeito errado. Dolorosamente lentos, sem saltos de imaginação, concentrados nas minúcias da consciência, esses romances escrupulosamente, com sinceridade mortífera, separam para fora o que pode ser dito com segurança. Em um esforço para evitar psicologismos e suposições descabidas eles chegam à inconsequência, carregando aquela guerra francesa tradicional contra o burguês que ao fim termina por lisonjeá-lo: que monstro! Senhorita Saraute, em seu romance mais recente, <i>Os frutos dourados</i>, tenta uma versão satírica da cena literária parisiense que alguns acharam sagaz e engraçada. Para outros é viciada pelo vanguardismo sombrio do dispositivo que a estrutura, o coro de vozes não identificadas. É como se os romancistas franceses não soubessem brincar.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
A brincadeira é uma das grandes possibilidades da arte; é também, como Norman O. Brown torna claro em seu Vida Contra Morte, o princípio-Eros cuja repressão traz a calamidade total. Os praticantes sem humor do <i>nouveau Roman </i>produzem tais calamidades regularmente, assim como nossos idólatras nativos do Fato soberano. É um resultado da falta de seriedade.<u></u><u></u></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
(1)“The grocer’s bawd she slips her hand in the haricot bag, the lady in waiting sips her sup from the paraffin can, Mrs Wildhare Quickdorr helts her skelts up the causaway the flasht instinct she herds if a tinkle of tunder, the widow of Megrievy she knits cats’ cradles, this bountiful actress leashes a harrier under her tongue, and here’s the girl Who she’s kneeled in coldfashion...</div>
</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-73695250154875734332016-01-07T14:24:00.001-08:002016-01-09T03:14:35.676-08:00The Hateful Eight - O Sade Negro, Branco, Mexicano...<div class="yiv1072407991MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1452204349327_2771" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Pulp fiction foi um dos filmes que marcou a minha vida: aos nove ou dez anos de idade decidi gastar minha cota semanal de locadora com aquela fita de capa vermelha com letreiro amarelo, meio esquisita, e depois penei para tentar explicar no colégio o filme ótimo que tinha descoberto. “O filme é sobre o quê?”, perguntavam, querendo saber se era realmente comparável a Independence Day, ou Duro de Matar, outros Grandes Filmes da época. O filme pra sempre vai ter pra mim um espaço especial, exagerado, como se tivesse inventado sozinho o cinema autoral, fora dos enquadramentos rígidos das fórmulas de ótimo rendimento de bilheteria. Sempre vou ter um carinho pelos filmes dele, mesmo que sua queda às vezes exagerada para o trash sobrepese a sutileza que frequentemente alcança.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Xxx</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Spoilers dos Hateful Eight, claro</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
(citado de memória, com uma ou outra imprecisão, provavelmente)</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
- E a Minnie, ainda fuma o cachimbo dela?</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
- Ela fuma cigarros enrolados a mão, Red Apple</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
- Eu só estava te testando.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Esse trecho exemplifica o novo filme do Tarantino de maneira mais perfeita do que primeiro aparenta: é uma obra que é pelo menos um terço maior do que precisava ser, sendo fácil de apontar quais trechos poderiam ser cortados para um filme mais ágil, “melhor”. Na cena, já tinha ficado explícita (declarada, mesmo) a desconfiança do Samuel L Jackson em relação ao Mexican Bob. Só a pessoa mais estúpida não entenderia a partir da resposta que a pergunta tinha sido um teste, e mesmo assim o Samuel vai lá e fala, quando um olhar ou um silêncio teria sido bem mais expressivo. Ou mesmo um corte, porque o pessoal já tá sentado há quase duas horas (não cheguei a olhar o relógio, mas a sensação era essa) e até agora foi só montando o desenlace final.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Não que se trate de a montagem de um cenário particularmente complexo. Hateful Eight realmente é um filme de uma hora e meia espichado em três horas. Vamos repassar por um resumo da história: carruagem interrompe sua viagem de inverno duas vezes no meio do caminho para a hospedaria, primeiro pegando outro caçador de recompensas (que lhe mostra uma carta de Abraham Lincoln), depois o futuro xerife da cidade-destino; chegam na hospedaria, onde ocorrem algumas confusões de natureza não muito complicadas, flashback de pessoal chegando lá antes, e desenlace final. Mesmo com os diálogos alongados em tensão do Tarantino, é difícil imaginar que não daria pra contar essa história com competência e expressividade em no máximo duas horas.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Não que eu seja da turma que clama sempre por maximização de eficiência narrativa por parte de escritores e cineastas: o caminho mais curto nem sempre é o melhor, o longo frequentemente permite um aprofundamento nos detalhes, caracterização, psicologia, temas secundários, etc. Não é isso que acontece com o Hateful Eight, mas é difícil achar que Tarantino em seu oitavo filme acabou incorrendo em vários erros parecidos, em sequência, acrescentando sem querer uma hora no filme.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
O primeiro take do filme já é um aviso: o crucifixo embaixo da neve, com a carruagem no fundo, durando muito mais do que precisa, mesmo para o estabelecimento de uma atmosfera de lonjura e desolamento. Ruth, desconfiado, pede para Warren se aproximar “slow, like molasses”. Personagens são introduzidos de novo e de novo a cada pessoa nova que aparece na história, o mesmo caso sendo narrado várias vezes, às vezes sem nem mudança de perspectiva ou com aparição de detalhes novos. E todo mundo esperando o grande clímax, há um tempão, já.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
(Nada contra filmes que montam tudo para um final grandioso: Cães de Aluguel faz isso de maneira parecida, sem por isso cansar quem assiste, mantendo interesse na montagem.)</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
E o clímax, por si só, é imensamente insatisfatório do ponto de vista intelectual. Todas as pistas que o Warren usa para desmascarar o que está acontecendo na hospedaria são inacessíveis a quem acompanha a história, diminuindo a potência detetivesca vamos-resolver-um-mistério-juntos do filme: o gosto do guisado, a placa mexicanos-e-cães que não está mais lá, a poltrona que sentimentalmente não é só um lugar para sentar, o doce preso entre as tábuas - o filme só revela a origem da relevância do detalhe com o flashback, que vem <i>depois</i> do Warren desmascarar a trama toda. Já o envenenamento do café é mostrado com antecedência, colocando-nos ao lado da algemada, que só fica assistindo lentamente ao desenlace, ver quem vai cair na armadilha, distanciando-nos da surpresa estrondosa de algo de repente estar dando muito errado. Um dos últimos takes do filme, com Warren e o xerife segurando juntos a corda para enforcá-la, o foco intenso nas faces de êxtase extraordinário da vingança, para mim foi o que deu sentido ao filme inteiro: é um filme sádico, em que o sadismo chegou a penetrar na estrutura da narrativa. Sádico, aqui, no sentido mais simples e de base da palavra, se desvencilhando de todas as complexidades da obra do pensador bizarro do final do século 18: gostar de ver dor nos outros, no caso fundamentado pelo fato de ser retribuição por erros anteriores de quem sofre as torturas.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
E a primeira coisa que se aprende amargamente sobre um sádico é que ele não é apressado, mas também não é sutil: ele quer que tudo demore o máximo possível, para saborear toda dor e angústia, sem usar esse tempo a mais para qualquer aprofundamento que não seja mais-do-mesmo; quer também que o sofredor saiba o que está acontecendo, por que está acontecendo, várias vezes, cada repetição um novo tapa ou agulhada, para que não tenha dúvida. E é meio que isso o que o filme faz com quem assiste, explica várias vezes, alonga, espicha, demora, desnecessariamente, pra quê tudo isso. Em entrevistas, Tarantino nunca escondeu seu afeto pelo gênero do Torture Porn, americano ou asiático, do detalhe da crueldade, da encenação explícita de jogos de poder, e nunca essa potência de Id ficou tão explorada em sua obra quanto nesse filme, que mesmo tendo menos mortos que Kill Bill e Django (tem menos gente, no filme), é sem dúvida o mais violento de todos. Existe até mesmo uma extensão organizacional desse lance sádico: finalmente me dei conta (com atraso, reconheço) que todo vilão que explica todo seu plano diabólico e brilhante antes de matar o mocinho faz tanto por sadismo quanto por orgulho idiota, uma vez que deve ser o filme que mais tem “antes-de-eu-te-matar-deixa-eu-te-explicar-uma-coisa” da história do cinema, parecendo até uma compilação paródica de youtube.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
O personagem-filósofo do filme chega a falar que a diferença da civilização ao punir é a falta de paixão de quem puxa a alavanca (ou alguns anos pra frente, assina a sentença, fecha a porta do camburão, etc), para ele tanto-fazendo quem é na corda. Falta de paixão não é um termo que caiba a qualquer um dos personagens do filme, ou mesmo a qualquer filme do Tarantino.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
O que me leva a outro aspecto que serve de apoio ao desajeitado-proposital do filme: o resenhista do av club (e provavelmente outros, claro) revelou que os personagens do filme todos tem nome de diretores de filmes-B e personagens secundários de filmes de John Wayne. Não seria o aspecto desajeitado, involuntariamente compensando certa incompetência e falta de fluência com explosividade emotiva e empolgação também uma espécie de homenagem a esses tristes artistas que frequentemente comovem mais pelo que eles tentam do que pelo que eles conseguem? Quem nunca teve essa experiência, vale a recomendação do documentário American Movie, de 1999, comovendo mesmo sendo bem abaixo de filme-B (mais perto do Z do que do B).</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Levando em consideração o lado político do filme (nada sutil, de novo: “você não sabe o que é ser negro nos Estados Unidos”, soa como um chavão do Black Lives Matter, de 2015, sendo que o filme acontece nos anos 1870), em que o Samuel Jackson fala da promessa fajuta de liberdade e integração feita pelo Norte americano (uma metáfora com os uniformes que é bem elegante e que não vou lembrar palavra-por-palavra), esse desajeito de novo ganha força de propósito. Um filme meio malfeito para um país meio malfeito: um país cheio de promessas irrealizadas, figuras messiânicas perdidas (assassinadas, frequentemente), que comove mais pelo que promete e quer do que pelo que consegue e realiza. É um país em que o negro sagaz precisa inventar uma carta do Abraham Lincoln pra poder receber respeito (aliás, lance absurdamente genial do filme, vale ressaltar), mas é também o país rm que, diferente de um mundo com o Sul triunfante, permite a criação dessa fantasia para servir de salvo-conduto. Existe a merda da realidade, bagunçada, envenenada de ódio e ressentimento que não se desprende de nada que se faça vários anos depois, mas existe o sonho, que mesmo continuamente frustrado, resiste, como direção e força. Nem que seja apenas para um alento final.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Xxx</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
Agora, claro, permanece a questão do filme longo demais (talvez realçado pelo fato de eu ter visto ele às 21h50, tendo chegado na fila do cinema meia hora antes da sessão das 20h30 para encontrar os ingressos dela esgotados), desajeitado, lançando mini-desafinos a cada fala completamente desnecessária, explicação repetida, etc etc. Foi uma experiência parecida que tive lendo The Keep, da Jennifer Egan, empolgado ao terminar o Visit From the Goon Squad. O livro é quase todo narrado por um escritor meio incompetente, aluno de turma de escrita criativa. As últimas páginas são extraordinárias, coisa de dar arrepio mesmo: a professora dele toma a voz, para narrar as circunstâncias que os uniram. Ainda que seja um livro que o leitor tenha de se empurrar para continuar lendo, quase largando, um pouco a contragosto, fica óbvio que não foi imperícia artística que construiu aquilo, que fazia parte da verossimilhança da coisa. Ainda assim, resta o saldo de quase trezentas páginas meio desafinadas lidas para poucas boas (até mesmo ótimas) ao final. Existem projetos estéticos que mesmo inteiramente bem-sucedidos deixam o leitor/espectador/ouvinte pensando se ele não poderia ter aproveitado seu limitado tempo de uma maneira melhor.</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
xxx</div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="yiv1072407991MsoNormal" id="yui_3_16_0_1_1452204349327_3404" style="background-color: white; font-family: 'Helvetica Neue', 'Segoe UI', Helvetica, Arial, 'Lucida Grande', sans-serif; font-size: 13px; padding: 0px; text-align: justify;">
PS: eu aqui tentando construir cuidadosamente (ou mais ou menos) meu argumento de como se trata de um filme sádico, pinçando momentos para exemplificar, quando no finalzinho da escrita do texto me dou conta que o primeiro nome do protagonista é MARQUIS, hahaha.</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-14690267411015286572015-11-17T04:53:00.000-08:002015-11-17T05:53:44.055-08:00Relendo O Drible<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(spoilers,
inevitavelmente)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Vale
dizer em primeiro lugar (me repetindo de outros posts) que eu nunca acreditei
naquela história de que estava faltando na literatura brasileira o Grande
Romance sobre o Futebol. Onde estaria o grande romance francês sobre o
ciclismo, o grande romance australiano sobre o rugby, o grande romance russo
sobre o hockey (logo eles que deram tanta importância ao esporte durante a
guerra fria), ou o grande romance americano sobre o baseball?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(Curiosamente,
existe um livro chamado The Great American novel, do Philip Roth, que é
justamente sobre baseball, mas ninguém o coloca entre suas melhores obras.
Alexandre Soares Silva fez o lembrete uns tempos atrás que o Delillo também tem
um romance sobre esporte, End zone, mas igualmente é um livro praticamente
esquecido )<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Por
que seria a literatura brasileira, tão mais fraquinha do que a russa, a americana,
ou a francesa a primeira a preencher essa lacuna sobre grande narrativa sobre
esporte? Sequer existem tantos filmes de esportes que tenham grande apelo para
além dos entusiastas daquela atividade; creio que a única exceção seja o boxe
(Rocky, Million Dollar baby, etc), que conta com sua brutalidade inerente como
grande vantagem para seu lado: nada como um pouco de violência para colocar um
pouco de sentido e emoção nas coisas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Argumenta-se
que no nosso caso o futebol não é apenas o esporte favorito do país, que a
relação do Brasil com ele é mais profunda do que a de outros países, que
estrangeiros ficam chocados pela forma como é da expectativa de todos que não
exista expediente de nada não-emergencial durante as partidas da seleção, e que
essa profundidade maior seria o suficiente para propiciar a produção dessa
narrativa Que Desse Conta da Experiência Nacional. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Um
dos problemas estruturais na questão é o tanto que o esporte constrói por si só
sua narrativa completa e perfeita, com protagonista e antagonista (invertendo
de acordo com o time escolhido), disputas, momentos dramáticos, vitórias e
derrotas quase sempre inequívocas, enquanto na literatura moderna é a
equivocidade ou a incerteza que frequentemente fundamenta o poder estético. O
motor principal da produção de sentido no esporte tende a ser não a confluência
de fatores complexos como acontece em um bom romance, e sim a demonstração de
poderio físico (seja força, agilidade, o que seja), ou união perfeita de muitos
indivíduos em coreografia perfeita, improvisada. O próprio Sérgio Rodrigues
comenta isso em um post de seu blog: que romance se safaria do sentimentalismo barato
de um Pelé moleque ao ver as lágrimas do pai com a derrota brasileira de 1950
prometendo que ganharia a copa para o país e indo lá oito anos depois e
ganhando? Coisa de email motivacional que tias mandam pra todo mundo sem saber
que só serve pra deixar mais deprimido quem tá precisando.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Minha
aposta, portanto, era de que esse romance nunca viria a existir. Talvez fosse uma
aposta ranzinza, já que eu nem sou tão fã de futebol assim (acompanho
esporadicamente as partidas dos times nacionais, pois como resistir o jogo
imaginário de nações inteiras brigando entre si), e também gosto de ser meio do
contra, falando que a literatura não funciona por preenchimento de lacunas
pré-imaginadas, que nenhum bom romance é realmente sobre uma coisa só. Eu
estava errado, ou pelo menos parcialmente errado, pois é sem dúvida nenhum
disparate dizer que o romance do Sérgio Rodrigues é o grande romance brasileiro
sobre o futebol. Não li todos, ou até arriscaria a estimativa que não li
nenhuma obra ficcional que fale mesmo de futebol que não os ocasionais textos
do Sérgio Sant’Anna que abordam o esporte, mas quem sabe não é uma aposta
desvairada dizer algo que pudesse minimamente competir com esse romance teria
recebido algum destaque nessa comunidade de leitores ansiosa para poder
preencher esse vazio tão claramente definido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas
eu acho que O Drible é bem mais do que isso, e é exatamente com essa motivação
que fui reler o livro e escrevo agora esse post.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pra
quem não sabe, meu mestrado (foi mal) acabou por tratar a literatura brasileira
numa abordagem meio megalomaníaca, que tomava o Formação, do Cândido, falando
de Arcadismo e Romantismo, emendando com o Literatura como Missão, do Sevcenko
(deusotenha), pra falar da virada do século (realismo e “pré-modernismo”) e o
Lafetá e Bueno e outros textos soltos pra falar do Modernismo, para construir
um panorama da literatura brasileira desde seu início, pegando a questão do
“empenho” colocada pelo Cândido como central. É uma dissertação longa, e o
resumo apressado dela é também longo [link: <a href="http://etudeslusophonesparis4.blogspot.com.br/2014/06/auge-e-derrocada-do-empenho-literario.html">http://etudeslusophonesparis4.blogspot.com.br/2014/06/auge-e-derrocada-do-empenho-literario.html</a>
], mas o resumo do resumo do negócio é: se tende a ser normal o escritor falar
sobre seu mundo circundante, e no mundo circundante meio porcaria que é o
Brasil (pelos milhares de problemas que sempre tivemos em nos organizarmos com um
mínimo de competência ao tentar constituir uma sociedade decente, cidadã) o
escritor brasileiro de várias épocas diferentes se viu repetidas vezes no papel
de denunciador de mazelas e intérprete completo da realidade nacional.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
objeto da dissertação era a literatura do período da ditadura militar, e eu
defendo que em nenhum outro momento a questão do engajamento do intelectual foi
tão forte. Se antes era possível uma discussão demorada e meio inútil a
respeito de qual seria o problema mais urgente do país, depois da queda de
Goulart e o estabelecimento de um regime violento e autoritário e radicalmente
ilegítimo foi rapidamente estabelecido um consenso que abarcava quase todos os
intelectuais: a ditadura precisava acabar se o país era para sair desse buraco
eterno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(já
já chego no drible)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Acabou
a ditadura, e o país parecia mais afundado do que nunca no buraco. As decepções
em sequência da redemocratização (nas palavras do romance, “...desilusão que
logo ia se revelar a fibra mais resistente do tecido democrático”) tiravam o
brio de qualquer crítico acostumado a ter como oposição a opressão desabrida, a
vilania declarada de um governo absurdamente imposto (e não a vilania democraticamente
legitimada). O intelectual estava acostumado a tacar pedra (geralmente em voz
baixa, por medo de aparecer depois só na lista de sumidos) se viu obrigado a
tecer críticas mais complexas do que “torturar é errado” e “democracia é o
caminho”, e, claro, talvez mais que tudo, lidar com o desgosto cotidiano que é
viver sob os frutos eleitorais da tal democracia de um eleitorado
monstruosamente desinformado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
havia como essa decepção não ser sentida no campo literário. Os
romances-denúncia (dos estúpidos aos brilhantes) não tinham mais seu assunto
principal, de pertinência garantida, e mesmo em meio a tantas obras intelectuais
contrárias à ditadura o fim do autoritarismo, a passagem de poder ao mundo
civil, se deu de maneira tão distante quanto a transferência de chapéu de
maioral entre generais, ignorando os anseios demoradamente destilados pelos
intelectuais durante as décadas de semi-mordaça. O poder de volta com os civis,
continuaria a desigualdade e a miséria que a princípio dependiam encarniçadamente
da ausência da democracia para se manter: se o sistema prejudica a maioria,
como que a maioria tendo alguma voz institucionalizada, pelo voto, optaria por
manter o sistema? Pensar tanto tempo a respeito do país quando as decisões
todas são tomadas partindo principalmente na disputa de interesses e não de
interpretações? Qual contribuição um refinado intérprete nacional pode trazer
para uma partilha de propina? O que Eduardo Cunha vai querer saber de Iracema
versus Macunaíma, tirando talvez a disponibilidade dos respectivos domínios de
internet?<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
romances brasileiros das últimas décadas, em sua maioria, abandonaram o tema
nacional. Abordam, inevitavelmente, a experiência de existir no Brasil, como
qualquer obra literária vai fazer (até mesmo uma obra passada em Marte há de
ser lida levando em consideração a origem do autor), mas não há mais a ambição
de tratar do país. Obras contemporâneas engajadas, como Habitante Irreal, de
Paulo Scott, tendem a selecionar questões específicas em vez de se pretender
qualquer como entendimento (e “solução”) universal, capaz de dar conta do todo
brasileiro. Não coloco isso como necessariamente um defeito, não acho que o
romancista brasileiro necessariamente perde ao tirar Raízes do Brasil do seu
top 5 de textos balizadores de sua produção para colocar, sei lá, Beckett ou
Barthelme ou o que valha. No final da última página o que vale é a qualidade da
construção do texto e do entendimento de mundo, seja orientado com fronteiras
geopolíticas/culturais em mente ou não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
Drible é exceção (aeee, chegou, com atraso mas chegou). O Drible é um romance
nacional, no sentido de ter a Nação como uma de suas questões principais, sem nem
descambar para o constrangimento de comparar a paixão pelo esporte no Brasil
com a existente em outros países. Toma o país para discussão com uma mistura
incrível de fascínio e desprezo, interpreta várias décadas da nossa história
com contundência surpreendente em um número até magro de páginas. Um romance de
amplitude condensada, uma concisão forte e natural, sem o quê maníaco dos
minimalistas. E, ponto importante, é um canto conscientemente composto para
garganta rouca, salvando-se da armadilha da nostalgia: o romance nacional
impressionantemente ressuscitado pelo cientista que desafia a natureza, maluco
porém ciente que sua criatura só vive enquanto durar a tempestade por ele
conjurada.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
coloco isso aqui como grande achado interpretativo meu; qualquer leitor que não
tenha pulado por algum exercício bizarro várias páginas do livro vai se deparar
com as várias cenas de Murilo Filho descrevendo sua interpretação sobre o país,
a forma como a transmissão radiofônica do esporte conseguiu construir uma união
no país por meio do time em disputa, a importância da limitação da mídia para o
narrador em fala rápida suprisse com superlativos qualquer realidade
manquejante que presenciasse naquele momento:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Logo
discorria sobre o papel desempenhado pela conjugação de futebol com rádio na
história do Brasil, tal mágica tendo consistido, segundo sua teoria, na
fabricação das toneladas de argamassa necessárias para colar os cacos de um
país gigantesco que até aquele momento não era bem um país, mas uma vastidão de
terra dividida entre uns poucos proprietários que se distinguiam em partes
iguais pela ganância e pela indiferença às condições de vida das multidões que
trabalhavam para eles, pouco lhes importando que estudassem ou deixassem de
estudar, que tivessem casas com redes de esgoto ou cagassem no mato, que
vivessem ou morressem – no caso dos pretos, que teimavam em se reproduzir feito
ratos no esgoto, os donos da terra achavam melhor que morressem mesmo, o que
certamente fariam se tivessem um mínimo de autorrespeito. (p. 59)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(...)
a dívida do nosso futebol é pelo menos tão grande com o gongorismo dos
narradores também. (...) Sem a nossa vocação doentia para a metáfora
bombástica, o papo furado, o causo inverossímil, a gente não teria chegado tão
longe. Mais de noventa por cento do público só tinha acesso ao futebol pelo
rádio, e no rádio qualquer pelada chinfrim disputada em câmera lenta por
perebas com barriga d’água ficava cheia de som e fúria. A cada cinco minutos os
narradores faziam um Zé-mané qualquer aprontar feito de deus do Olimpo. Claro
que esse descompasso entre palavras e coisas era inviável a longo prazo, não
tinha como se sustentar. E como obrigar a narração radiofônica a ficar sóbria
estava fora de questão, restava reformar a realidade. Foi assim que o futebol
brasileiro virou o que é: em grande parte por causa do esforço sobre-humano que
os jogadores tiveram que fazer para ficar à altura das mentiras que os
radialistas contavam”(p.61)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“a
diferença entre vitória e derrota sempre teve muito de fortuito no futebol,
isso explica as crendices no oculto (...) a medida de caos que nunca deixa de
reinar em campo mesmo quando os times são talentosos e organizados (...) só que
era tudo besteira, ou se não besteira, vá lá, mitologia, linguagem. Como um
radialista chamando de proeza um lance banal: linguagem pura. O sobrenatural
era um véu que o pessoal aplicava sobre a realidade, não a própria realidade”
(p. 166)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
haveria aí a possibilidade de construir uma ponte entre a partida de futebol e
a realidade brasileira, e o radialista com o intérprete? Ou não será o próprio
Murilo Filho filhote desgarrado de Sérgio Buarque de Hollanda e outros colegas
de trabalho? Na verve típica da literatura moderna, de valorizar a ambiguidade,
e de escapar da pecha de romance-tese, em que todo o drama e personagens
narrados viram roupagens pouco-convincentes para disfarçar uma Ideia Principal,
a própria noção de ser possível “resolver” o país é ridicularizada pelo
protagonista, o Murilo Neto:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Acho
que no fundo Murilo não se conforma de morrer sem ter entendido alguma coisa
profunda sobre o Brasil, uma maluquice assim (...) Não entende ou não quer
entender que já era, estilhaçou tudo, fodeu tudo. Não tem mais Brasil, se é que
um dia teve. Não tem um país só.” (146)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
contrastes entre os dois personagens são totais, não apenas nas opiniões, no
interesse pelo futebol ou na disposição anímica em geral (enérgica no caso do
pai, neurótica no caso do filho): se o pai valoriza a questão auditiva dos
rádios, a maioria das referências do filho (reiteradas ad nauseam pela
narrativa, parecendo quase impossível que algum minuto da cabeça do personagem
não passe por algum objeto protegido por copyright) são de natureza audiovisual,
do qual não há tanto refúgio de imaginação; se o pai se pretende escritor até o
fim e ocasionalmente colore seu discurso com citações literárias, o filho é
revisor de livro de auto-ajuda traduzido com control+v do Google. Até mesmo o
comportamento sexualmente predatório dos dois se dá de maneira distinta,
pautado pelo orgulho no caso do pai, em coleções públicas que parecem não ter
fim, e vergonha, de prováveis apagamentos de números da agenda do celular, no
caso do filho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
próprio romance desenha essa substituição de visões de mundo, ou até mesmo de
mundos, no capítulo em que discute a diferença entre o revival e a história, a
Cultura De Verdade e o Pop, que seria o ponto fraco estético do livro (pelo
excesso do modo explicativo) se as ideias ali fossem batidas ou minimamente conclusivas.
A provocação não é pequena. Existe a constatação de que de fato foi destruída a
visão histórica e de Grandes Interpretações da realidade, por ser insustentável
qualquer construção retórica diante de tanta realidade circundante, o inchaço
urbano em que a violência monstruosa é normalizada, a hipocrisias expostas em
menos de vinte e quatro horas e que mesmo assim perduram, o fato de ser cada
vez mais patente a impossibilidade de se sonhar com um mundo que não seja
apenas ligeiramente melhor (e que mesmo assim melhore esse muito pouco a muito
custo); por outro lado, o que veio para substituir esse otimismo infundado ou
insustentável dos Projetos Nacionais tampouco satisfaz em qualquer critério que
não o de distração imediatista. Decide-se que uma postura é insatisfatória
utilizando certos critérios (a ineficácia, ou pelo menos a ineficiência) e a
nova postura está menos apta ainda a lidar com o mundo se mantivermos os
critérios que utilizamos ao descartarmos a anterior. Descarta-se a postura e,
juntamente, os critérios que operaram o descarte. E o que resta?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
livro narra essa sucessão de posturas em ambiguidade esgarçada: é inegável o
tanto de farsa que há na figura de Murilo Filho, capaz de opiniões como “poucos
proprietários que se distinguiam em partes iguais pela ganância e pela
indiferença às condições de vida das multidões” sendo ao mesmo tempo sendo
colaboracionista da ditadura (no mínimo pela edição estatal de livros seus), e que,
por tanto acúmulo histórico brasileiro de textos e discussões acaloradas e às
vezes até sofisticadas, pouco parece ter sido feito para melhorar de fato a
situação do país, qual seja o lado que se queira ver uma sociedade ideal (mais
“livre” ou mais “igualitária”). Parece que tudo é mesmo uma merda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No
entanto, vemos junto com a reconstituição de diferentes épocas históricas do
Brasil (dos anos 50 do interior do país, aos movimentados anos 60 e 70 do Rio
de Janeiro, aos desencantos da redemocratização e os aparentes escombros de
civilização atuais) a reconstituição também dos estilos literários que
carregaram diversas épocas do país: temos crônicas esportivas, ironias
machadianas entre outras mais brutas, brutalismos de Rubem Fonseca, folclores
pitorescos à la Jorge Amado, algum pouco de regionalismo pacato de narrativa
interiorana, letras de sucessos radiofônicos anos 80 dos primórdios do Pop
brasileiro, até mesmo pedaço de soneto Belle Epocque e uma bizarra mulher que
fala que nem o sobrinho do Iauaretê. Há um carinho inegável subjacente na
riqueza de formas brasileiras no livro, em contraste imenso com o conteúdo que
destila denúncias de violência, estupidez e preconceito por todos os cantos,
como que em resposta esteticamente formulada à pergunta “mas por que afinal
você ainda atura morar aqui”: “ah, não sei, um jeito diferente nas pessoas, não
sei explicar direto”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">São
várias as outras sacadas geniais do livro: o fato de uma narrativa ter como
Figura Paterna Opressora um personagem de sobrenome Filho (e o filho oprimido
na verdade ser Neto), com pouquíssimas referências a quem seria o patriarca
original, mostrando que a imensidão da sombra paterna é algo superável, apenas
não superado por Neto, tornando apenas mais terrível seu tormento. O fato da
trama inteira de vingança se ordenar perfeitamente pelas lacunas sentimentais
do filho, que compra os croquetes na previsibilidade de quem busca a
estabilidade de uma rotina (em sua mente dando a grandiosa descrição de
“ritual”), e de suas idas à casa do pai continuarem apesar de não dar qualquer
aparência de resolução emocional vindoura, como o ressentido que revisita suas
mágoas apenas para avivá-las, feito viciado que sabe que faz errado, só para um
revival. O delineamento detalhado de um machismo venenoso disseminado como
normalidade, acessível e operável tanto por Fodões quanto por Fodidos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Até
mesmo o que eu tinha achado que era defeito, certo excesso de foreshadowing do
livro, tornando o suposto final surpresa um pouco previsível, na releitura se
mostra fascinante: praticamente a cada quarenta páginas se vê um aviso de que
as coisas não são como o protagonista as entende, o médico falando que Neto não
se parece com o pai, sendo anunciado que o livro favorito é Dom Casmurro... a
coisa primeiro parece quase livro de detetive que subestima a inteligência do
leitor. Só que na segunda viagem percebe-se que os avisos não são a cada
quarenta páginas, e sim a cada vinte, e não estão ali a serviço da perspicácia
do leitor, e sim para evidenciar de novo e de novo a cegueira monstruosa de
Neto, incapaz de enxergar o que é colocado de novo e de novo diante de si. O
contraste que se impõe fortemente é a de seu pai biológico, que tinha o dom de
ver um segundo adiante, e seu filho sem talento para o futebol e, mais para
frente, para a vida como um todo. O que era tão promissor se torna frustrado
para além das expectativas anteriormente delineadas, quebrado de uma forma
antes inimaginável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Foi
esse, principalmente, o segredo de Rodrigues para conseguir abordar a questão
nacional pelo futebol, não só fugindo como destruindo a armadilha do deslumbre;
tratar o que É na sombra permanente e deprimente de O Que Poderia Ter Sido, que
qualquer coisa de valor e relevância que apareça nesse país precisa vencer uma
luta inglória para continuar existindo ou não ser cooptada e desvirtuada. Que a
adolescência moral e intelectual perpétua do Brasil explicita a perda da
inocência da infância e a frustração repetida de estar sempre aquém de um
desenvolvimento e amadurecimento que nunca chega, e o abandono das expectativas
de um país significativamente melhor não produz o apagamento das frustrações.
Não vamos deixar de amargurar todas a canalhices de nosso mundo se aceitarmos
elas como naturais; elas só vão deixar de melhorar na lentidão enlouquecedora
como vem melhorando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pois
elas podem começar a piorar. Como Neto percebe ao final de sua história, e como
pudemos presenciar entre o setembro de 2013 da publicação do livro e esse 2015
que parece que não acaba, as coisas sempre podem piorar.<o:p></o:p></span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-24348834289266339402015-11-03T18:57:00.000-08:002017-12-04T05:10:59.245-08:00Ódio automatizado ao contemporâneo<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="text-indent: 35.4pt;">A produção de literatura deve ser uma das
poucas atividades humanas que tem como primeiro público pessoas predispostas a
odiá-la.</span></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Tenho o assunto desse texto ruminando na minha
cabeça há um tempo, e em um rascunho anterior eu suscitava como exemplo
praticamente todas as caixas de comentários do blog Todoprosa, do Sérgio
Rodrigues. Não se trata da desgraça comum das caixas de comentários da
internet, em que frequentemente se denuncia que o governo está arquitetando
a vinda de alienígenas pedófilos para roubar as armas do cidadão comum de forma que ele fique indefeso contra as invectivas da ditadura do politicamente correto, e
sim de uma desgraça light, uma desgraça semi-refinada, uma desgraça que força suspiros apaixonados ao ler poesia. A desgraça bem típica do leitor de fim de
semana, que lê duas ou três vezes mais do que o brasileiro comum (isso é, quase nada) e
ainda assim se veste sem constrangimento com roupa de entendedor profundo e
crítico incisivo, sendo que na verdade a satisfação de outra pessoa em ler sua opinião tende a ser
próxima da de acordar com dor de dente.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Nunca me esquecerei de um post em que o Sérgio
Rodrigues elogia o início do “Um Conto Nefando” do seu xará Sant’Anna, em que
uma mãe num clima de abuso perdoado tem relações sexuais com seu filho, referido
pelo texto como "poeta maldito". O comentário tecia uma crítica do tipo que a
caracterização do conto era meio clichê. O texto chama um personagem de Poeta
Maldito e o sujeito entende que é falta de criatividade do escritor, e não
qualquer vontade de trabalhar os arquétipos de maneira direta, semi-irônica.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Não se trata de tirar o direito das pessoas de
não gostarem de textos literários, ou até mesmo de ocasionalmente estarem
erradas ou de escrever besteira, e sim de discutir a prontidão e o prazer que
muitos leitores sentem na hora de desqualificar qualquer produção contemporânea,
ufanando-se sempre dos tempos gloriosos dos grandes escritores que nunca
voltarão.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
No entanto, nas primeiras versões desse texto
tudo estava muito abstrato, parecendo aquelas soluções brilhantes para
problemas inventados, até que certo momento uma santa alma me fez o favor de
permitir que esse texto seja ilustrado com uma síntese perfeita:<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-R_fB1U_GQig/VjlzTOH6vfI/AAAAAAAAAEY/m5GtCLedQLI/s1600/cr%25C3%25ADtica%2Bcontundente.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://4.bp.blogspot.com/-R_fB1U_GQig/VjlzTOH6vfI/AAAAAAAAAEY/m5GtCLedQLI/s640/cr%25C3%25ADtica%2Bcontundente.jpg" width="521" /></a></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
São vários elementos constitutivos desse problema. O primeiro,
mais simples de apontar, é a mera seleção do tempo: temos de cada época antiga da
literatura apenas os melhores escritores e os melhores textos; os medianos,
medíocres e ruins tendem a ficar para os especialistas que buscam reconstruir
um período literário em suas dissertações e teses (deus me livre de ter de fazer isso de novo,
nunca mais, a vida é muito curta). A literatura nos 30 no Brasil pode parecer superior à atual, se lermos Graciliano após ter aturado um livro fraco publicado no ano passado,
mas é justamente por lermos o melhor da época e não as dezenas e centenas de livros do
período que foram justamente esquecidos.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Até prêmios literários, que fazem um pouco
desse serviço no meio contemporâneo, não nos ajudam certeiramente; todos conhecem a
velha história do Sagarana ter ficado em segundo lugar no concurso em que foi
inscrito, atrás de um livro que hoje ninguém lê, o próprio Graciliano figurando
na comissão julgadora. Todos os jurados que participam desses prêmios comentam a loucura que é ler uma fatia
significativa do que é lançado pelas editoras no período de um ano; e nem dá
pra cobrar dessa maratona massificada de um-livro-por-dia o discernimento
perfeito em uma arte que frequentemente valoriza a sutileza, o sub-entendido,
ou até mesmo o escondido. A literatura sempre foi e sempre será um jogo
demorado.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Já acreditei que essa era o único ou o
principal fator operante; no entanto, mais recentemente vejo que não é só isso. Acho que isso fica visível a partir dos dois casos citados aqui, o de Sérgio Sant’Anna, um dos mais premiados escritores da
atualidade e, a meu ver, a única obra de formação inicial nos anos 70 que
conseguiu sobreviver a bagunça de categorias significativas que foi a
redemocratização brasileira (um detalhamento maior disso <span style="text-indent: 47.2px;">tá lá na minha dissertação</span><span style="text-indent: 35.4pt;">), criador de uma das obras mais sólidas de toda a
literatura brasileira, e o romance do Sérgio Rodrigues, que a senhora lá achou
“chato pra caramba” e que conta com trechos como esses:</span><br />
<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
“Entre o fim da infância e o auge da adolescência, meio orgulhoso e meio
horrorizado, Neto aprendeu pela imprensa a soletrar o rol das amantes de seu
pai, uma por uma: princesas europeias libertinas, starlets americanas
drogaditas, socialites de pescoço longo de Modigliani, filhinhas perdidas de
general e brigadeiro em idade ilegal dadas a vomitar às seis da manhã sob a
mesa do Hippopotamus, escritoras intoxicadas de Anaïs Nin e Shere Hite, atrizes
do Zé Celso imunes aos desconfortos da depilação, atrizes de pornochanchada e
de Tchékhov, capas de Ele Ela e Status, aspirantes às capas de Ele Ela e
Status, psicanalistas reichianas, cantoras bissexuais. Mesmo que metade daquilo
fosse lenda, era evidente que nunca tinham faltado a Murilo Filho, o filho da
puta, as graças de um grande elenco de habitantes fogosas daquele mundo
pré-aids. Era quase perdoável que não tivesse tempo para ser pai.”</div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
(listagem de fazer descer uma lágrima de
orgulho no William Gass)<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 47.2px;">
<span style="background-color: white;">ou</span></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
“O Perna sempre passava do ponto na
birita, ficava chato, mas o pessoal entendia. O cara tinha uma perna mecânica
da qual não se podia falar, era tabu, o mesmo que perguntar hoje ao Roberto
Carlos da perna dele: todo mundo sabia e ninguém comentava, mas aí é que está.
Apesar disso, todos chamavam o Perna de Perna. Era o apelido dele desde a época
do Tiro de Guerra, quando ele ainda tinha as duas pernas e começaram uma
brincadeira no vestiário dizendo que ele era aquinhoado de uma terceira entre
as duas de um ser humano normal. No início o chamavam de Terceira Perna, mas
Terceira Perna era um apelido inviável, comprido demais, ficou Perna. (...) O
Perna gostou daquilo de dizerem que era bem-dotado. As mulheres perguntavam por
que Perna e os homens se entreolhavam, desconversando. Algumas donas era
inevitável que botassem malícia, imaginassem o resto, mas o Perna achava isso
melhor ainda, tudo propaganda. Quando anos depois perdeu a perna na serralheria
do pai, era tarde para voltarem a chamá-lo de Reginaldo, e começou a comédia: o
nome que o protegia era o mesmo que o atacava. A cidade entrou em curto-circuito,
acabaram por prevalecer tanto o apelido quanto o tabu. Todo mundo chamava o
Perna de Perna, mas ninguém falava do aleijão do Perna na frente dele, coisa
horrível, mesmo porque diziam que tinha afetado de algum modo sinistro a tal
ex-terceira perna, que agora seria no máximo a segunda mas talvez nem isso, ai,
meu Deus.”<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Cheio de sexo, violência, ressentimento,
denúncia de racismo e machismo e um entendimento histórico sutil a respeito da
realidade brasileira, é até possível imaginar que alguém talvez questione como
se compõe esse entendimento histórico e essas denúncias, um excesso aqui ou ali na busca pela síntese, ou mesmo do romance se propor a fazer essa síntese; falar que o livro é
chato, no entanto, é apenas bizarro. Até quem odeia futebol tem grande chance
de gostar muito do livro; vê-se um cuidado apurado com cada página e um
interesse vívido de manter o interesse do leitor até mesmo de attention-span curtinho, internético.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Já postei anteriormente sobre a diferença de
ler um livro contemporâneo e ler um clássico. Ítalo Calvino famosamente diz com
sorrisinho de canto de boca que o clássico é o livro que sempre se diz estar relendo:
há um pressuposto de dívida sendo saldada quando um leitor vai pela primeira
vez às páginas de um clássico, a frase “estou lendo X pela primeira vez”
carregando quase sempre o advérbio implícito de “finalmente”. Imagina-se também
uma doação altruísta de seu tempo livre para manter acesa a morredoura chama da
civilização, tão ameaçada hoje em dia por reality shows e mídias sociais (sem que a pessoa em suas leituras vá alcançar a percepção de que a chama da
civilização sempre esteve sob ameaça, ou que o que se chama de civilização às
vezes é apenas o incêndio que se põe naquilo que está no caminho das vontades
dos poderosos).<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Com o contemporâneo, por sua vez, a doação não
é feita ao Espírito do Ocidente, e sim à pessoa física do autor, que bem que
poderia depois mandar um email de agradecimento pela magnanimidade do leitor ao
escolher seu texto em vez do de um consagrado. Nessas leituras de saldar
dívidas, qualquer defeito em um clássico é rapidamente relevado e posto de
lado: se Dickens é prolixo, isso se dá pela conjuntura comercial da produção
literária de sua época, de pagarem por palavra; se Robinson Crusoé é
terrivelmente imperialista, é apenas a normalidade do pensamento vigente do
período; se Joyce é obscuro é por ser profundo demais (metido? nunca!),
cabendo ao leitor apenas correr atrás. <o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Qualquer defeito em um contemporâneo é motivo
para amargurar profundamente não estar gastando seu parco tempo de leitura (e é
verdade que uma vida inteira para leitura parece muito pouco) com algo
consagrado. O poder simbólico na relação escritor-leitor na visão dessa pessoa se estrutura
de forma muito simples, o mais poderoso e o menos poderoso: o autor canônico
mais poderoso que o leitor contemporâneo, o leitor contemporâneo mais poderoso
que o autor contemporâneo. Nunca se busca (talvez sequer se imagina como
possível) uma relação mais de equanimidade, de diálogo.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Se fosse só uma questão de como os defeitos
são absorvidos pelo leitor, o problema não seria tão espinhoso. A triste
verdade é que não é nada unânime o que constitui defeito em uma
obra literária, e o leitor que já abre o livro de nariz torcido, predisposto a
sentir o cheiro de merda antes mesmo de chegar nas primeiras palavras do livro,
vai tomar por defeito tudo que pode ser tomado de tal forma. A um autor de livro curto falta fôlego, a um autor de livro
longo falta auto-crítica e um editor competente que tenha sugerido cortes, a um
autor de narrativa convencional falta criatividade/ousadia/originalidade e a um
modernoso sobra pretensão. Claro que é possível que existam livros magros
demais, longos demais, convencionais demais, ou com um excesso de invencionices
ilegítimas; existe, no entanto, uma rapidez no julgamento negativo, ou mais que
isso, uma vontade de exercer o julgamento negativo (que, claro, deusmelivre,
nunca poderia ser exercido em um livro consagrado; se você demorou para
terminar de ler aquele clássico é sempre culpa sua).<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
O protagonista de um comentário elogioso é o
objeto elogiado, já o protagonista do comentário crítico é o comentarista.
Elogiar o amplamente elogiado é uma pequena forma de fazer com que o
protagonista do comentário elogioso seja em parte do comentarista. Nossa, olha
fulano, ele lê Tolstoi. Já em falar mal do consagrado há o risco imenso é de
ser o protagonista idiota ou pouco sagaz, por mais que possivelmente se fale
uma verdade, como por exemplo do Dostoievski que de fato escrevia os romances de
forma desorganizada; é possível valorar a tal desorganização, mas bem mais
passível de vermos a característica sendo valorada no Dostoievski do que em
algum contemporâneo similarmente verborrágico.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
(Há também, como em tudo, o risco contrário,
do fulano querer um atalho para ser considerado iconoclasta e original jogando
pedra no cânone por critérios apressados)<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Não há de se falar de uma luta para que esses
jogos de ego sejam superados; se isso realmente acontecer algum dia na
humanidade, uma literatura mais livre de opiniões estúpidas constará entre os
benefícios menores dessa revolução impossível. Cabe apenas expor os exageros
que às vezes são norma, e tentar construir uma consciência de que esse é um
risco constante. Não é apenas o louco da caixa de comentários que coloca as
coisas dessa forma, e às vezes não é tão transparentemente estúpido: às vezes
traz frases mais ou menos bem construídas, COM MENOS MAIÚSCULAS, e que até
conseguem enganar mais do que os cegos.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Exemplo rápido: <a href="http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2015/10/07/porque-o-brasil-nao-ganha-o-premio-nobel-de-literatura/">http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2015/10/07/porque-o-brasil-nao-ganha-o-premio-nobel-de-literatura/</a><o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Olha como é fácil ser superior a todos os escritores
brasileiros contemporâneos de uma só vez, dá até pra reciclar texto de vários
anos atrás (e de novo, daqui a pouco, quando o Brasil (ó mágoa) não ganhar de
novo o Nobel). O problema é muito simples: esses escritores brasileiros que só falam
de seus mundinhos... como se Coetzee não falasse da África do sul e de ser um
homem branco, Alice Munro de ser mulher no Canada, Herta Muller do
autoritarismo que ela mesmo viveu, Vargas Llosa de ter de aturar ser
latino-americano, etc etc. <o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Há sempre o ressentimento do holofote, por
menor que seja o holofote, um luzinha em círculo de poucos centímetros de raio
(um sucesso editorial no Brasil não precisa chegar a cinco dígitos de
vendagem). Qualquer um que sobe no palco para qualquer apresentação precisa
sempre responder a pergunta “por que<span class="apple-converted-space"> </span><i>você</i><span class="apple-converted-space"> </span>é o que sobe no palco”, quase sempre
sendo omitida o resto da pergunta “... e não eu?”. Qualquer pianista de
carreira ascendente rapidamente fica sabendo de comentários atravessados de
outros pianistas não tão prósperos, ou destinados (assim se dizem todos os dias
no espelho) apenas à consagração póstuma.<br />
Creio que na literatura esse problema tem amplitude maior, uma vez que todo leitor é alfabetizado, todo leitor tem
seu histórico de leitura e todo leitor reconhece uma história boa de se contar
ou ouvir: todo leitor tem em mãos os recursos para se considerar um pianista,
restando a ele reclamar de quem está sob ou quem controla os holofotes,<span class="apple-converted-space"> </span><i>até mesmo se ele não tiver composto
porra nenhuma.</i><o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
A paz do escritor genial que nada escreve
reside quase exclusivamente no cânone e na legitimidade automática que tem o
passado: eu seria um grande escritor, com certeza, mas o tempo de grandes obras
literárias passou. As pessoas hoje só querem saber de Big Brother ou facebook,
putz, a chama da civilização nunca esteve tão fraca. Não há mais condições: não é mais possível ser
grande, por isso nem vale a pena arriscar, desavisados são os que vão atrás, ou
nem dá pra dizer que vão atrás porque sempre estão e estarão aquém, eu que não
faço nada que sou esperto, bem melhor do que esses que ficam tomando o tempo
dos outros e se achando por aí, blábláblá.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Não é um mal de agora, claro, achar que o
tempo das grandes obras sempre passou: até em Homero existe sub-entendido um
período de grandeza humana inteiramente inacessível à imundície contemporânea.
Aquiles é mais forte que qualquer um hoje (de hoje mesmo ou ouvindo algum aedo) poderia
ser, Ulisses mais arguto, Helena mais bela e Menelau mais corno (talvez esse
último seja verdade, até mesmo antes de existir a escrita já se discutia pelos
séculos os chifres do coitado). Igualmente, Drummond é mais sensível, Vinícius
mais apaixonado e apaixonante, Cabral mais criterioso, Oswald mais louco
(esse precursor do nude metido à besta, entre outras inovações).<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Esse sentimento se reforça no fato de o
passado vir a nós bem mais embalado para um entendimento razoável do que o
presente, essa bagunça contínua e convulsiva. Em um mundo mais organizado, é
realmente mais fácil ver o que constitui o fraco e o genial. Ou talvez seja a
influência da infância e dos primeiros anos de leitura na vida da pessoa que
não amadurecem depois para algo que caiba ainda a descoberta e a satisfação
fora do mundo da nostalgia; é verdade que livros nascem de livros tanto quanto
(ou até mais do que) de reflexão e experiências de vida, e os que chegam
primeiro produzem sombra grande sobre os que acessamos depois, mas é um leitor
acomodado o que parte de forma exclusiva e acrítica da sua experiência pessoal
(e da consagração já pré-pronta) para valorar em voz alta, oficialmente, a
produção atual. É o crítico gastronômico que em toda resenha diz que tudo é
ruim porque nada é melhor do que a comida da mãe: nada de errado de pensar isso
(apenas triste depois da mãe morrer), errado é o cara partir daí pra virar ou
se fazer de crítico gastronômico.<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
Há, ainda, aqui, um espacinho também para o
bom e velho complexo de inferioridade brasileiro. Se podemos ser bondosos e
magnânimos com a capacidade humana de criar obras grandiosas, ter fé no futuro
da chama da civilização, querendo nos manter na posição de críticos ferrenhos
de tudo que está aí sem ter de contribuir de fato qualquer coisa para a
discussão, podemos nos agarrar na velha lamúria de existirmos sob condições tão
medíocres. Daí é possível permitir a entrada de um Foster Wallace, Philip Roth,
Saramago ou o que valha, tendo sonhos de como seria possível talvez assinar uma
obra-prima se você não tivesse de enfrentar filas de cartório, procurar algum
seguro-saúde que caiba no seu orçamento ou lidar com vizinhos chatos e
mal-educados que certamente não existiriam acima da linha do Equador. <o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
(a história do ó-nunca-ganhamos-um-Oscar e
ó-nunca-ganhamos-um-nobel dá outro texto)<o:p></o:p></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="yiv5247084561msonormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
É verdade que Tolstoi realmente é muito foda,
e que está no direito da pessoa optar por gastar seu tempo principalmente ou
exclusivamente com os clássicos (talvez uma decisão melhor se o interesse for
de ler apenas livros bons); a dissonância se dá na convivência desses dois
mundos na verdade distintos, o contemporâneo e o consagrado, e nada
parece impedir que apareçam caga-regras cheios de razão e discernimento sem ter
feito qualquer esforço para alcançar a posição de críticos de altíssima
capacidade analítica. Fique aqui pelo menos uma tentativa de registro contra isso, já que esse ódio automatizado realmente não serve de nada.<o:p></o:p></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-15218795573515507152015-11-02T10:39:00.002-08:002018-08-11T16:36:57.544-07:00Antrim e Gass traduzidos<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"In
1994, my grandparents, too old to maintain their house, moved into a nearby
assisted-living community, where they occupied a small apartment with a tiny
yard planted with flowers. Several times I visited them there - an insomniac
man in his mid-thirties, walking the long corridors of a rural home for the
aged. I remember from those trips that the men and women of the place, who
seemed ancient to me when I first arrived, began, as the days passed, to appear
younger and more beautiful. The women in particular, in their laughter and
their smiles, the way they might quickly glance away when aware of being looked
at, showed evidence of themselves in their youth. I felt charmed by the ladies
in my grandparents' circle, and learned to understand that a woman near the end
of her life has not given up her powers of seduction. While topping after lunch
to say hello, I might look into the eyes of a great-grandmother from Richmond
or Atlanta and see, or imagine seeing, the girl who did not yet realize that
everything and everyone ahead of her - the husband who would pass away, her
children, and their children, since moved to distant cities - could come and go
so quickly"<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"Em 1994, meus avós, velhos
demais para cuidar da casa, se mudaram para uma comunidade para idosos ali
perto, onde ocupavam um apartamento pequeno com um jardinzinho plantado com flores. Várias vezes eu os visitei ali - um homem insone em seus trinta e tantos
anos, andando pelos longos corredores de um lar rural para envelhecidos. O que me lembro daquelas viagens são os homens e mulheres do lugar, que me pareciam
anciões quando primeiro cheguei, e que começaram, com o passar dos dias, a aparentar
mais jovens e mais belos. As mulheres em particular, com suas risadas e
sorrisos, e no jeito que elas podiam desviar os olhos com rapidez ao perceberem ser objeto de algum olhar, davam indícios de si mesmas na juventude. Eu me sentia
encantado pelas damas do círculo de meus avós, e aprendi a entender que uma
mulher perto do fim de sua vida não desistiu de seus poderes de sedução.
Enquanto fazia uma pausa depois do almoço para dar um alô, eu poderia olhar nos
olhos de uma bisavó de Richmond ou Atlanta e ver, ou imaginar ver, a garota que
ainda não se deu conta de que tudo e todos diante dela - o marido que faleceria,
seus filhos, e os filhos dos filhos, desde então mudados para cidades distantes
– poderiam vir e partir tão rapidamente"<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"Our
parents’ lives before we are born take place in a kind of mythic realm, a realm
of the imagination, and our mothers’ and fathers’ Power to shape and interpret
our lives, to tell us whe we are, even in our adulthood, requires our
understanding that, because they inhabited mythic time, and because their
existence has brought about our own, they remain for us immortal and
all-seeing, just as they were when we were too young to survive without them."<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"As vidas de nossos pais antes
de nascermos acontecem em uma espécie de reino mítico, um reino da
imaginação, e o Poder de nossas mães e pais de moldar e interpretar nossas
vidas, de nos dizer quem nós somos, mesmo em nossa vida adulta, exige nosso entendimento
que, por terem habitado o tempo mítico, e porque a existência deles trouxe a
nossa própria, eles permanecem para nós imortais e oniscientes, exatamente como foram quando
éramos jovens demais para sobreviver sem eles"<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">The
Afterlife, do Donald Antrim<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">--<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Do conto "Soliloquy for a
chair", narrado por uma cadeira. Um dos melhores textos do novo livro do
William H. Gass, Eyes:<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"The
way we are misused is no worse than any other. I am not like a lot of my
companions, bitter about people, or despairing of my own nature, the way glass
feels because it can be seen through - ha ha - nor am I surprised to have
learned from knives that they have conserved their animus like juice in jam
jars, waiting for dullness or - contrarily - the best time to snap, or how to
hurry a finger toward the cut that awaits it. In the opinion of the barber
guys, the way utensils are misused is no worse than any other treatment,
however widespread, that the human species has inflicted on Mother Nature:
hills are burrowed or leveled, lakes pumped dry, seas emptied of life, trees
cut, forests burnt. It is no matter with men what damage they do, or their
paved streets and ubiquitous cellars accomplish. They murder the very ground
they walk on - it's all right - so why should we few chairs complain about a
rusty pinion, a small tear, some slight impulsive knockabout?"<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O jeito que somos mal utilizadas
não é pior do que qualquer outro. Não sou como muitas de minhas companheiras,
amarguradas com as pessoas, ou desesperadas com minha própria natureza, o jeito
que o vidro se sente por ser tão transparente - ha ha - nem fico surpreendida
de ter aprendido com as facas que elas conservam seu animus como o suco em
jarros de geleia, aguardando a cegueira ou - contrariamente - a melhor hora
para quebrar, ou como apressar um dedo na direção do corte que lhe aguarda. Na
opinião dos barbeiros, o jeito que os utensílios são mal utilizados não é nada
pior que qualquer outro tratamento, por mais difundido, que a espécie humana
infligiu na Mãe Natureza: morros são esburacados ou achatados, lagos bombeados por completo, mares esvaziados de vida, árvores cortadas, florestas queimadas. Não é
uma questão aos homens os danos que eles provocam, ou o que cumprem suas ruas
pavimentadas e sótãos ubíquos. Eles assassinam o próprio chão em que andam - está
tudo bem - então por que algumas cadeiras como nós deveriam reclamar a respeito
de uma pecinha enferrujada, um pequeno rasgo, qualquer esbarrão ligeiro e impulsivo?”<o:p></o:p></span></div>
</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-19522275373506920332015-10-16T04:36:00.000-07:002015-10-16T04:38:43.287-07:00Tradução de um textinho de Peter Altenberg<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: small; line-height: normal;">Tradução da tradução (Peter Wortsman, o tradutor americano), mas mesmo assim aí vai. Da coletânea Telegrams of the Soul:</span></span><br />
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: small; line-height: normal;"><br /></span></span>
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">---</span><br />
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">No Volksgarten<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Eu queria um balão azul! Um balão azul é o que
eu queria!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Aqui um balão azul para você, Rosamunde!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Foi explicado a ela então que havia um gás por
dentro que era mais leve que o ar da atmosfera, e por consequência disso etc
etc<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Eu queria soltar ele – “ ela disse, bem assim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Você não preferiria dar o balão àquela garotinha
pobre ali?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Não, eu quero soltar ele - !”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ela solta o balão, e fica olhando ele, até ele
desaparecer no céu azul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Você não está arrependida agora que você não deu
o balão à garotinha pobre?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Sim, eu deveria ter dado o balão à garotinha
pobre.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Aqui outro balão, dê esse para ela!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Não, eu quero soltar esse também no céu azul!” –<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ela assim o faz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ela recebe um terceiro balão azul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ela vai até a garotinha pobre por conta própria,
dá o balão a ela, dizendo “Solte você, esse!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Não,” diz a garotinha pobre, olhando fascinada
para o balão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Em seu quarto ele voou até o teto, ficou ali por
três dias, escureceu, enrugou-se e caiu morto, um pequeno saco preto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">E então a garotinha pobre pensou “Eu deveria ter
soltado ele lá fora no parque, para ver ele subir no céu azul, eu teria
acompanhado a subida, só olhando -!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Enquanto isso, a garotinha rica consegue outros
dez balões, e uma vez o Tio Karl até compra para ela todos os trinta balões de
uma vez. Vinte deles ela deixa voar para o céu e dá dez às crianças pobres. A
partir daí ela absolutamente não tinha mais nenhum interesse em balões<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Esses balões idiotas -,” ela disse<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A respeito disso Tia Ida observou que ela era
bastante avançada para sua idade!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A garotinha pobre sonhou: “Eu deveria ter soltado
o balão no céu azul, eu teria ficado olhando e olhando –!”</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span><br />
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span>
<br /></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-10577593467697737862015-10-10T13:34:00.001-07:002015-10-10T13:34:55.373-07:00Saudosos tempos em que tínhamos escritores de verdade.<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Raciocínio que eu só tive semana passada, depois de muito tempo com a faca e o queijo na mão: ao estudar antiguidade, os especialistas repetem várias vezes que o que se narra em Homero, até mesmo na época em que os poemas existiam apenas oralmente, é o Tempo de Ouro, em que os heróis eram bem mais do que os contemporâneos jamais conseguiriam ser: mais fortes, poderosos, ágeis, sagazes e tudo mais, que era até possível cultivar virtudes e tentar tomá-los como exemplos de vida e agir, mas que a excelência deles pertence a outra categoria, inalcançável... agora, como que eu nunca tinha feito até poucos dias atrás a conexão dessa ideia ou estrutura de pensamento com o endeusamento agigantado do cânone artístico (que quase sempre desenha panoramas homogeneamente catastróficos para o contemporâneo, que seria tudo muito ruim, tudo vendido, que não tem ninguém que seja sério) é um mistério.</span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-80561932798849162292015-10-05T07:28:00.001-07:002015-10-05T07:28:29.104-07:00Relendo: Crônica da Casa Assassinada<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Acreditando
que cheguei a um estágio minimamente aceitável no que diz respeito a amplitude
da minha bagagem de leitura, sabendo mais ou menos delinear afinal o que é do
meu gosto e o que não é (estranhamente para mim não foi algo tão espontâneo
assim, tão fácil de discernir), e tendo finalmente terminado de escrever o meu
romance, decidi por revisitar alguns dos livros que mais me impressionaram
nessa minha vida de leituras. No afã de tentar não incorrer no erro de muitos
escritores de início de carreira em ficar concentrado na obra de um ou outro
autor obsessivamente e daí acabar produzindo cópias pouco convincentes, acabei
diversificando minhas leituras de forma talvez exagerada: foram poucos autores
os que li a obra completa, e poucos os livros que passaram por releitura. Pouco
mais de uma dúzia, talvez; talvez teria sido mais produtivo conhecer menos
autores para conhecer outros mais afundo. Daí a ideia de começar uma nova
prática de leitura: dentre os três ou quatro livros que ficam se alternando
entre a cabeceira da minha cama e o banco de trás do meu carro, sempre um que
eu já tenha lido antes e esteja revisitando. Ver o que eu encontro de
diferente, de novo, de detalhe despercebido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(Claro
que não tenho cumprido essa determinação à risca, mas o que vale é a intenção)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Comecei
pelo Crônica da Casa Assassinada. Acabou por ser ao mesmo tempo frustrante e
fascinante; se a ideia do projeto era ver coisas novas, ter uma percepção quem
sabe diferente do livro, aquela coisa clássica de que “ah, minha leitura mudou,
mas o texto continua o mesmo: na verdade quem mudou fui eu”. Crônica é exatamente
como eu lembrava, incrível, transbordante, daqueles livros em que dá pra
imaginar montando uma casinha em algum canto dentro de suas páginas e morar
dentro dele por vários meses (ou invadindo algum dos quartos abandonados do
edifício do livro, se preferirem a imagem do prédio em vez da do terreno). O
que me surpreendeu primeiro foi a consistência da perfeição do livro: já é
sacada velha a conversa de que o teste verdadeiro da qualidade de uma obra é
abri-la na página noventa e nove e não na página inicial, que autores sempre
tendem a dar um gás a mais no iniciozinho (como é compreensível) e tendem a ir
perdendo a força quando o começo fica excessivamente bom.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(aliás,
deixa eu ir lá na página noventa e nove do manuscrito do meu livro pra ver se
tá um lixo)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Enfim,
aqui o primeiro parágrafo e um pouquinho do segundo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“1.
Diário de André (conclusão) - (...meu Deus, que é a morte? Até quando, longe de
mim, já sob a terra que agasalhará meus restos mortais, terei de refazer neste
mundo o caminho do seu ensinamento, da sua admirável lição de amor, encontrando
nesta o aveludado de um beijo – “era assim que ela beijava” – naquela um modo
de sorrir, nesta outra o tombar de uma mecha rebelde dos cabelos – todas, todas
essas inumeráveis mulheres que cada um encontra ao longo da vida, e que me
auxiliarão a recompor, na dor e na saudade, essa imagem única que havia partido
para sempre? Que é, meu Deus, o para sempre – o eco duro e pomposo dessa
expressão ecoando através dos despovoados corredores da alma – o para sempre
que na verdade nada significa, e nem mesmo é um átimo visível no instante em
que o supomos, e no entanto é o nosso único bem, porque a única coisa
definitiva no parco vocabulário de nossas possibilidades terrenas...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Que é o para sempre senão o existir contínuo e
líquido de tudo aquilo que é liberto da contingência, que se transforma, evolui
e deságua sem cessar em praias de sensações também mutáveis. Inútil esconder: o
para sempre ali se achava diante dos meus olhos [...]”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Crônica
nunca perde a força, mesmo partindo de um dos melhores inícios de livro que eu
já vi. É inclusive uma das críticas que a galera da verossimilhança estrita
mais faz ao livro, de que ele é <i>excessivamente
consistente</i>, de que todo mundo fala no mesmo estilo incrível, do garoto de
dezesseis anos que usa adjetivos como “insofismável” à empregada da casa (que
na verdade um detalhe depois revela, e torço que eu não esteja lembrando errado
aqui, que ela na verdade é britânica e que veio dar aulas de inglês a Timóteo,
inclusive com literatura inglesa; o molde-estereótipo de criada então não é
cabível a Betty) que escreve coisas como ( ao descrever a beleza terrível de
Nina):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“ainda
hoje, passado tanto tempo, não creio que tenha acontecido outra coisa que me
impressionasse mais do que esse primeiro encontro. Não havia apenas graça,
sutileza, generosidade em sua aparição: havia majestade. Não havia apenas
beleza, mas toda uma atmosfera concentrada e violenta de sedução. Ela surgia
como se não permitisse a existência do mundo senão sob a aura do seu fascínio –
não era uma força de encanto, mas de magia. Mais tarde, à medida que se
degradou, fui acompanhando em seu rosto os traços do desastre, e posso dizer
que nunca houve vulgaridade nem rebaixamento na nobreza de seus traços. Houve
uma metamorfose, uma substituição talvez, mas o que era essencial ficou e,
morta, sob seu triste lençol de renegada, ainda pude descobrir o esplendor que
vi naquele dia, flutuando, insone e sem guarida, como a luz da lua sobre os
restos de um naufrágio”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(puta
que o pariu, hein?)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
que torna o feito particularmente espantoso é que o romance inteiro finca com
os dois pés sua existência na estética do exagero, do desabrido, do vou-cortar-os-pulsos-pra-escrever-poesia-com-meu-sangue.
Eu tenho realmente uma queda natural por esse tipo de expressão (Lobo Antunes,
Foster Wallace, William Gass, parte grande do Sérgio Sant’Anna, e,
paradoxalmente misturado com estoicismo e dureza, Cormac McCarthy) e minha
escrita acaba caindo para esse lado também com alguma frequência. O risco
envolvido é grande. Se um autor opta por uma estética do menos, da contenção, o
erro que ele comete faz com que a obra caia no nada, surta efeito nenhum. Uns
anos atrás fui ler o Raymond Carver, empolgado para conhecer a obra que dizem
que praticamente ditou como se escrevia conto nos anos oitenta nos Estados
Unidos, e achei o livro apenas legal. “Legal” não é uma marca acessível para a
estética do desabrido: não tem quem ache o Foster Wallace ou o Lobo Antunes ou
o William Gass “bons”: ou você acha incrível ou acha um lixo. Não existe o
dar-de-ombros ao final da leitura desses livros; muito mais fácil é o abandono
seguido de um tweet perguntando com inevitável superioridade o que é que vocês afinal
enxergam nesse(s) cara(s), affe. </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">(Porque, claro, nunca é uma questão de gosto
pessoal, e sim lamentável falta de discernimento dos outros).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(Não
colocando os autores dessa listinha como se fossem perfeitamente
intercambiáveis: é óbvio que é possível gostar de Crônica da Casa Assassinada e
achar William Gass uma bosta, e nem desqualificando quem não aprecie qualquer
um desses; é quase sempre um desperdício de esforço e tempo criticar o gosto
dos outros, pra qualquer lado que for)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Voltando
ao delineamento da dicotomia: se a estética do contido corre o risco da
ineficácia e do vazio, a estética do desabrido por sua vez corre um risco a meu
ver bem mais terrível, o do ridículo. De o texto pedir aquele pacto de alma
completo e eterno e explícito e o leitor rir, ou preferir ser menos cruel e
apenas falar “calma, cara, senta aí e toma uma água”. Um texto da contenção
pode passar por várias páginas calmas na montagem de um efeito posterior,
enquanto o desabrido precisa a todo tempo se provar esteticamente como legítimo,
o volume sempre posto ao máximo. Para além do risco do ridículo, o risco do cansaço
espreita a cada virada de página. Claro, os livros dessa estética tendem a ser
longos, como que naturalmente longos demais. Ideários de elegância e bom gosto
não combinam com esses projetos artísticos: o ímpeto deve ser forte o
suficiente para não cair no abismo do ruim, que parece ser mais fundo ou mais
escorregadio do que o dos colegas que apostam no outro lado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">(O
próprio Foster Wallace parece ter desejado passar do lado exagerado para o
contido, o que de certa forma não é de todo arbitrário se pensarmos dentro do
panorama filosófico composto em sua obra: se o Pale King era o livro-irmão e
livro-oposto de Infinite Jest, o livro sobre o tédio se contrapondo ao livro
sobre o entretenimento, até que existe um sentido interno que ele siga por
outro percurso. Mesmo assim ao ler o que ele tinha escrito ainda fica a
impressão estranha de ver uma águia decidir ir de uma montanha a outra andando
em vez de usar as asas)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Talvez
forte não seja o adjetivo correto, uma vez que não é falta de vontade ou
empolgação que faz com que uma obra fracasse: o poeta que escreve com seu
sangue não fracassa por não ter sangrado o bastante, não ter cortado fundo o
suficiente. Afinal, é na juventude que a inexperiência diante do mundo e do
existir funciona como um catalisador de todas as emoções e quase nunca é na
juventude que um autor constrói suas melhores obras. É mais fácil que o
fracasso seja na falta de técnica do rapaz na hora de lidar com a caneta
tinteiro cheia de sangue ressecado por dentro, ou ver que o papel reage bem
diferente do que quando se escreve com esferográfica. Não faltava sentimento ao
jovem Lúcio Cardoso, faltava apenas técnica, que infelizmente não há outra
forma de ela aparecer salvo pelo talento nato (raríssimo) ou pela insistência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
talvez seja essa barreira gigantesca existente na estética do desabrido que
tenha provocado tanto espanto aos leitores da obra anterior de Lúcio Cardoso o
aparecimento de um livro como o Crônica: é unânime a afirmação de que lendo
seus livros anteriores ninguém esperava por algo da excelência do Crônica. Até
mesmo o próprio autor ecoa o sentimento, dizendo que era seu primeiro livro de
verdade (para depois ter um derrame e não conseguir escrever mais nada).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nas
quinhentas páginas do livro, devem ter somado menos de meia dúzia as frases que
fizeram com que eu torcesse o nariz e pensasse “menas, cara, menas”.
Infelizmente uma logo na cena de André no enterro de Nina, mas enfim, era mesmo
impossível manter o crescendo no trágico depois da invectiva dele contra Deus
da última vez que ele tinha falado, após fazer sexo com Nina (o corpo quase
desfeito por sua doença):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“De
todos os lados, como um rio invisível que fosse crescendo, e esbatesse suas
ondas de fúria contra os limites opostos que representávamos, o sentimento do
fracasso se interpunha entre nós; passo a passo fui recuando, recuando, até o
fundo da parede, como se deixasse espaço para que aquele mar fervesse, e
subisse até nossos peitos impotentes, e nos atordoasse com seu cheiro de sal e
de sacrifício. Rapidamente o mundo recompunha-se no seu mutismo. Pela primeira
vez então, ergui o punho contra o céu: ah, que Deus, se existisse, levasse a
melhor parte, e dela arrancasse seu sopro naquele minuto mesmo, e estabelecesse
sua lei de opressão e tirania. Que até nos diluísse em matéria de nojo, e
vivos, para maior divertimento seu, exibisse o atestado de nossa podridão e de
nossa essência de lágrimas e de fezes – nada mais me importava. Literalmente
anda mais e importava. Um vácuo fez-se em mim, tão duro como se fosse de pedra.
Senti-me sorvendo o ar, caminhando, existindo, como se a matéria que me
constituísse houvesse repentinamente se oxidado. E nunca soubera com tanta
certeza como naquele instante que, enquanto existisse, proclamaria de pé que o
gênero humano é desgraçado, e que a única coisa que se concede a ele, em qualquer
terreno que seja, é a porta fechada. O resto, ai de nós, é quimera, é delírio,
é fraqueza. Tudo o que eu representava, como uma ilha cercada pelas encapeladas
ondas daquele mar de morte, admitia que a raça era desgraçada, condenada para
todo o sempre a uma clamorosa e opressiva solidão. A ponte não existe, jamais
existiu: quem nos responde é um Juiz de fala oposta à nossa. E sendo assim,
desgraçada também a potência que nos inventou, pois inventou também ao mesmo
tempo a ânsia inútil, o furor do escravo, e a perpétua vigília por trás desse
cárcere de que só escapamos pelo esforço da demência, do mistério ou da
confusão”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas
a releitura serviu para uma coisa facilmente apontável, para além do prazer
imenso de revisitar esse texto e todas as abstrações estéticas rapidamente
rabiscadas aí em cima: reconstruir a impressão que eu tinha tido do final do livro,
por sugestão da <a href="http://pedalinhosterrestres.blogspot.com.br/">Ludimila</a>. A confissão que Ana faz ao padre no final do livro,
uma revelação meio absurda que meio que desfaz a questão do incesto no livro,
pode muito bem ser invenção dela, em meio ao desespero e demência. Não
descartando de todo a possibilidade de realmente ser o catolicismo do autor
falando mais alto e ele tentando ter prova documental para expiar sua culpa de
pecador contumaz diante de São Pedro quando morresse, mas a possibilidade de
ser loucura de uma Ana idosa e
desdentada, querendo tomar para si o espaço de protagonista de uma ação
extraordinária (suas últimas palavras transcritas no livro são, afinal, “Padre,
e eu, não estou salva também, não pequei como os outros, não existi?”). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
faz muito sentido na estética de mergulho profundo de subjetividade u</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">m segredo
como esse ser real: quase equivale ao livro de detetive que revela que o assassino
na verdade é o detetive-narrador. Desmonta imensamente a dramaticidade do livro
(que mesmo assim resiste, claro, pelo poder do texto), uma nota dissonante
justo em um romance que espanta pela sua consistência. Reconheço que talvez
seja influência da história que ouvi recentemente que é quase dado por certo
que foi demência que motivou Salieri a confessar seu suposto assassinato de
Mozart, ou talvez seja que eu realmente prefira que não tenha essa conversa de
final surpresa de troca de bebês.</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Caso
eu esteja errado, que o livro fique como atestado de que não existe final ruim
o suficiente que arruíne um livro verdadeiramente extraordinário, se ele se
mantiver grande até a beira do final. A não ser, claro, que seja algo ainda pior
do que surpresa num esquema telenovela.</span></div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-48378883547529814942015-07-19T11:01:00.001-07:002018-01-06T11:13:59.237-08:00Sobre a tal "literatura feminina"<div style="text-align: justify;">
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Ah, como é encantadora a literatura feminina, com sua sensibilidade, sua delicadeza, sua
ternura, sua doçura...</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Em homenagem
às mulheres, que são tão importantes na vida de nós homens, um trechinho que
sublinhei nas minhas leituras dos últimos meses:</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">“Ela olhou
para trás e viu que o touro, de cabeça baixa, corria em sua direção. Ela
permaneceu perfeitamente parada, não por medo, mas por uma descrença que a congelara.
Ela olhou o traço negro e violento avançando em sua direção como se ela não
tivesse nenhum senso de distância, como se ela não pudesse decidir de imediato qual
era sua intenção, e o touro enterrou sua cabeça em seu colo, feito um amante atormentado e selvagem, antes que sua expressão mudasse. Um de seus chifres
afundou até perfurar seu coração e o outro se curvou ao redor de seu lado e a
segurou em um aperto inquebrável. Ela continuou a olhar direto para frente mas
a cena inteira diante dela havia mudado – a linha de árvores era uma ferida
escura em um mundo que não era nada além de céu – e ela tinha a aparência de
uma pessoa cuja visão tinha sido subitamente restaurada mas que acha a luz
insuportável.” </span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">(Flannery O'Connor)</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"> e</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">“Só depois de
acusá-lo do crime de silêncio que Babel descobriu quantos silêncios existem.
Quando ele ouvia música ele não escutava mais às notas, mas aos silêncios do
meio. Quando ele lia um livro ele se entregava por inteiro às vírgulas e aos
ponto-e-vírgulas, ao espaço depois do ponto e antes da letra maiúscula da
próxima frase. Ele descobria os espaços em uma sala onde o silêncio ajuntava;
as dobras dos tecidos das cortinas, as tigelas fundas da prataria da família.
Quando pessoas falavam com ele, ele escutava menos e menos do que eles não
eram. Ele aprendeu a decifrar o sentido de certos silêncios, o que é como
resolver um caso difícil sem pistas, não apenas intuição. E ninguém porderia
acusá-lo em não ser prolífico em seu métier escolhido. Diariamente, ele
produzia épicos inteiros de silêncio. No começo foi difícil. Imagine o fardo de
se manter em silêncio quando sua criança pergunta se Deus existe, ou a mulher
que você ama pergunta se você a ama de volta. No início, Babel ansiava pelo uso
de apenas duas palavras: Sim e Não. Mas ele sabia que apenas proferir uma única
palavra seria destruir a delicada fluência do silêncio.</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Mesmo depois
de eles terem prendido ele e queimado todos seus manuscritos, que eram todos
páginas em branco, ele se recusava a falar. Nem menos um gemido quando eles
deram nele uma pancada na cabeça, um pontapé de bota na virilha. Apenas no
último momento possível, quando ele estava frente ao pelotão de fuzilamento,
que o escritor Babel subitamente percebeu a possibilidade de seu erro. Enquanto
os rifles eram apontados ao seu peito ele se perguntou se o que ele tomou pela
riqueza do silêncio era na verdade a pobreza de nunca ser escutado. Ele tinha
pensado que as possibilidades do silêncio humano não tinham fim. Mas quando as
balas rugiram dos rifles, seu corpo foi crivado de verdade. E uma pequena parte
dele riu amargamente porque, de qualquer maneira, como que ele poderia ter
esquecido o que ele sempre soube: Não há nada que se iguale ao silêncio de
Deus.”</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">(Nicole Krauss)</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">---</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">(as duas
traduções são de minha autoria)</span><span style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: times, serif; font-size: 13.5pt;">--</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Agora vamos
desligar o sarcasmo (via das dúvidas é melhor avisar) para tratar de algumas obviedades. Por que existe a expressão "literatura feminina" se ninguém fala em "literatura
masculina"? O que haveria de "feminino intrínseco" nos trechos acima? A resposta que seria uma temática não satisfaz: existe, talvez, uma tendência geral de escritoras de tratarem de certos temas, assim
como existiria de homens tratarem de outros; mas a literatura de interesse real não seria aquela que supera tendências, ou as toma como
desimportantes? Não foi espanto e interesse o que causou o Knausgaard ao falar
de paternidade quando criar filhos era tido como um assunto para mulheres? É difícil não entender como uma limitação a ideia de que mulheres escrevem sobre "o mundo feminino" enquanto os homens escrevem sobre todos os outros temas.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Talvez não
exista mesmo um leitor que vá desconsiderar por completo o gênero do autor ou autora na
hora de apreciar um livro, mas acho mais interessante que se
tome o cuidado para isso não passar de um detalhe, ou mesmo uma opção em vez de uma obrigatoriedade: falar que toda a brutalidade
dos contos da Flannery O'Connor vem de uma pessoa com útero pode ter a mesma relevância baixa como se fala
que vem de uma pessoa que criava galinhas na infância e ensinou uma delas a
andar pra trás. Associá-la a outras obras pelo conteúdo de sua escrita, a
religiosidade desgraçada, a descrença na capacidade do ser humano se superar seus impulsos mais estúpidos e mesquinhos,
e não pela caixinha que ela fazia x quando preenchia formulários, é uma postura que me parece mais produtiva e mesmo respeitosa à artista. </span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><img src="https://static.fnac-static.com/multimedia/Images/PT/MC/5e/b0/83/8630366/1507-1/tsp20151117143618/Contos-Completos-Flannery-O-Connor-Colecao-Mulheres-Modernistas.jpg#60fc1881-cab3-490b-973d-a4a2ec38739f" /></span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">(não foi o caso na hora do lançamento mais recente dos contos dela no Brasil, colocados em uma série "mulheres modernistas". A decisão provavelmente se justifica do ponto de vista comercial - bem mais grave é o fato do livro ainda não ter sido reeditado depois do fim da Cosac)</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">É de fato negativo que a maioria tão grande das pessoas que escreve (ou das que são publicadas) é masculina, pelo mesmo motivo que é negativo que a maioria seja sempre masculina em quase todos ofícios tidos como importantes: para além da injustiça com parte enorme da população que não recebe as mesmas oportunidades, há também o desperdício imenso de talento não é desenvolvido por falta de incentivo.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">No entanto, se o incentivo chegar a um exagero de descaracterização num esforço que se completa no quesito compensatório
("precisamos de mais mulheres escrevendo"), corre-se o risco de forçar uma distorção que pode acabar deixando de lado o mais fundamental: a qualidade do resultado.
Tomar o "lugar de fala" como critério primeiro debanda para essa crueldade que faz de um livro ruim ou bom ser igualmente um
"livro feminino", do qual precisaríamos mais, dando aplausos pela iniciativa do ponto de vista social em vez de qualquer decisão que a pessoa tenha tomado como artista. Imagino que poucas artistas vão ter interesse em manter a discussão de suas obras nesse nível superficial.</span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Ainda que seja uma verdade inquestionável que o cânone literário (assim como de todas as outras áreas, convenhamos) seja composto quase só de homens (e brancos), eram igualmente homens e brancos muitos outros dos que tentaram e fracassaram; a seleção, portanto, diferente de simplificações que ocasionalmente encontramos por aí, não é mero exercício de hegemonia de gênero ou raça, ainda que tenha sido um fator atuante, e não apenas na hierarquização das obras prontas, e sim de efetivamente não publicar manuscritos, ou mesmo de fazer pouco (com grosseria ainda maior do que a habitual) das inciativas artísticas de alguém que está começando, quando essa pessoa é uma mulher.</span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Existe um problema real do que pode ser chamado de "imagem genérica de genialidade": o que é apresentado vindo de outros contextos é muito facilmente posto de lado em favor de outros produtos que estejam mais alinhados com o molde socialmente consagrado, e é razoável que se acredite que sem um esforço ativo e o desenvolvimento de uma consciência desse processo o problema não vá melhorar, </span><span style="font-family: times, serif; font-size: 13.5pt;">mas, de novo, é preciso resguardar o espaço fundamental para a qualidade, o conteúdo em si , e o direito de qualquer leitor ou leitora de não gostar de qualquer coisa que vá ler, sem que tenham engatilhado contra essa pessoa toda uma série de acusações (ou revirar de olhos) de colaboracionismo com diversas injustiças sociais. </span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Existe um arrepio, ou uma súbita perda de fôlego, diante de alguma obra que consegue ser mais do que apenas outra recombinação de signos ou símbolos. É de uma crueldade desnecessária que o jogo apresente marcas tão claras de ser tendencioso a favor de certos segmentos sociais; no entanto, o jogo tem sim seu quê de crueldade inevitável, que é que a maioria, mesmo entre os mais favorecidos, está destinada ao fracasso e ao esquecimento, a ver que todos seus esforços foram, na verdade, infelizmente, desnecessários.</span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"><br /></span><span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;"> --</span><br />
<span style="font-family: "times" , serif; font-size: 13.5pt;">Para que o texto não fique muito genérico, algumas obras escritas por mulheres que li recentemente e recomendo muito: "O que eu amava", da Siri Hustvedt, "Autobiography of red", da Anne Carson, "Antônio", da Beatriz Bracher, "Os Malaquias" da Andrea Del Fuego" e "Como se estivéssemos em um palimpsesto de putas" da Elvira Vigna.</span></div>
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brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-63325286013894382532015-04-13T20:03:00.000-07:002015-04-13T20:03:13.763-07:00Finalmente<div style="text-align: justify;">
Terminei o primeiro rascunho apresentável do meu romance. Em dezembro tinha terminado uma primeira versão da coisa toda (digo, com todas as cenas escritas, na ordem, mesmo), mas decidi dar uma última revisada antes de declarar o negócio como pronto... ou mais ou menos pronto, já que ainda vai ter de passar por um editor. Ficou um monstro bem grande, mais de seiscentas páginas... Agora é a busca por alguma casa editorial que publique o negócio. Desejem-me sorte.</div>
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Tá sendo até estranho sair do trabalho e me dar conta que eu realmente não tenho uma obrigação me esperando quando eu chegar em casa... ainda que eu não conseguisse manter minha meta de trabalhar no manuscrito todos os dias e ficasse vendo mais e mais episódios de Bobs Burger noite adentro, ainda havia a coceira no fundo do meu cérebro me xingando de preguiçoso, preguiçoso, preguiçoso. Lembro (claro, mas juro que estou melhorando nos últimos meses) do Foster Wallace falando de uma comparação que o Delillo (ha! na verdade é o Delillo) escreveu no Mao II:</div>
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"onde ele descreve o livro-em-andamento como uma espécie de criança pequena horrivelmente danificada que persegue o escritor, para sempre rastejando atrás dele (se arrastando pelo chão de restaurantes onde o escritor está tentando comer, aparecendo ao pé da cama sendo a primeira coisa na manhã, etc), horrivelmente defeituoso, hidrocefálico e sem nariz e com braços-nadadeira e incontinente e retardado e babando fluído cerebrospinal de sua boca enquanto ele mia e gorgoleja e grita pela atenção do escritor, querendo amor, querendo exatamente a coisa que sua feiura absurda garante que ele conseguirá: a atenção completa do escritor."</div>
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Estou já com uma ideia para um próximo romance, mas vou me dar umas férias de alguns meses, nem que seja para leituras. Nessas últimas semanas de revisão eu nem conseguia ler nada direito. Comecei anteontem o Moby Dick e estou adorando.</div>
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Ah, muito recomendado o novo curta do gênio Hertzfeldt (um cara que pra mim tá no patamar Chris Ware, David Foster Wallace, Beethoven, etc): https://vimeo.com/ondemand/worldoftomorrow . É pago, verdade, mas vale cada centavo.</div>
brenokhttp://www.blogger.com/profile/10752961643360687248noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4396694209872740860.post-56003419499124288822015-03-08T11:15:00.002-07:002015-03-08T11:23:10.847-07:00Nova tradução<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">(Noutra tarde em que eu me via sem ânimo de continuar revisando meu romance, fiz essa traduçãozinha. O livro tá editado aqui no Brasil, não sei como ficou a tradução profissional. O texto no inglês tem um tom coloquial fluido que foi um pouco difícil de tentar transmitir no português...)</span></pre>
<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">
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<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Gravetos, de George Saunders (do livro Tenth of December)</span></pre>
<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"><u></u> <u></u></span></pre>
<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Todos os anos na noite de Ação de Graças nós nos juntávamos atrás de papai enquanto ele arrastava a roupa de papai Noel para a rua e a colocava num tipo de crucifixo que ele tinha construído com um mastro de metal no jardim. Na semana do final do campeonato de futebol americano o mastro era vestido num uniforme e o capacete do Rod e Rod tinha que confirmar com papai se ele quisesse tirar o capacete de lá. No quatro de julho o mastro era Tio Sam, no dia dos Veteranos um soldado, no Halloween um fantasma. O mastro era a concessão de papai à alegria. A nós só era permitido um giz de cera da caixa de cada vez. Na véspera de natal ele berrava à Kimmie por desperdiçar uma fatia de maçã. Ele flutuava por cima de nós quando nos servíamos de ketchup, dizendo, bom o bastante bom o bastante bom o bastante. Festas de aniversário eram com cupcake, nenhum sorvete. A primeira vez que eu trouxe uma garota para casa ela perguntou “qual é essa do seu pai com aquele mastro” e eu fiquei ali sentado e piscando.<u></u><u></u></span></pre>
<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="color: black; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"><u></u> <u></u></span></pre>
<pre style="background-color: white; color: #222222; font-family: 'Courier New'; font-size: 10pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;">Nós saímos de casa, casamos, tivemos filhos nossos, encontramos a semente da ruindade florescendo dentro de nós. Papai começou a vestir o mastro com mais complexidade e menos lógica discernível. Ele botou algum tipo de pele sobre ele no dia da marmota e levou um holofote para assegurar uma sombra. Quando um terremoto atingiu o Chile ele colocou o mastro de lado e pintou com spray uma fenda na terra. Mamãe morreu e ele vestiu o mastro de morte e pendurou da barra paralela fotos da mamãe de quando ela era bebê. Nós parávamos por lá e achávamos talismãs estranhos da juventude dele arranjados ao redor da base: medalhas do exército, tíquetes de teatro, suéteres velhos, tubos da maquiagem da mamãe. Um outono ele pintou o mastro de amarelo brilhante. Ele o cobriu de cotonetes naquele inverno para aquecer e providenciou uma prole martelando em seis gravetos cruzados ao redor do jardim. Ele correu comprimentos de fio entre o mastro e os gravetos, e grudou com fita cartas de desculpa, admissões de erro, apelos por compreensão, tudo escrito numa caligrafia frenética em cartões de índice. Ele pintou uma placa dizendo AMOR e a pendurou do mastro e outra que dizia PERDOA? E então ele morreu no hall com o rádio ligado e nós vendemos a casa a um casal jovem que arrancou o mastro e deixo-o na beira da rua no dia em que recolhem o lixo.</span></pre>
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