Comprei o livro porque estava barato, uma cópia usada numa livraria quando fui lá pra nova iorque. Os da Egan e da Ozick que eu estava lendo estavam bem chatos (The keep e The cannibal galaxy, não recomendo nenhum dos dois; ótimas escritoras, mas que pelo visto nem sempre acertam), resolvi abrir a sacola de compras e dar uma lida no primeiro parágrafo. Essas páginas de abertura (e conclusão, traduzi também o fim, vou postar depois) estão entre as melhores que já li. Este post vai dedicado para quem acha que a literatura sempre perde nas tentativas de correr atrás da realidade.
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PARTE UM
BILL LAWTON
1
Não era mais uma rua e sim um mundo, um tempo e espaço de
cinzas caindo e quase noite. Ele caminhava norte atravessando escombros e lama
e havia pessoas passando correndo segurando toalhas em seus rostos ou paletós por
cima de suas cabeças. Eles tinham lenços pressionados contra suas bocas. Eles
tinham sapatos em suas mãos, uma mulher com um sapato em cada mão, passando
correndo por ele. Eles corriam e caiam, alguns deles, confusos e desajeitados,
com detritos caindo ao redor deles, e algumas pessoas tomavam abrigo embaixo de
carros.
O rugir estava ainda no ar, o estrondo despencante da queda.
Este era o mundo agora. Fumaça e cinzas vinham rolando rua abaixo e contornando
esquinas, rebentando pelas esquinas, marés sísmicas de fumaça, com papel de
escritório aparecendo e sumindo, folhas padrão com pontilhado de corte,
roçando, chicoteando, coisas de outro mundo na mortalha da manhã.
Ele vestia um terno e carregava uma pasta. Havia vidro em
seu cabelo e rosto, cápsulas marmoreadas de sangue e luz. Ele passou por uma
placa de Promoção de Café da Manhã e eles passaram correndo, policiais da
cidade e seguranças correndo, mãos pressionadas contra as coronhas para manter
as armas firmes.
As coisas dentro estavam distantes e imóveis, onde ele
deveria estar. Aconteceu por toda parte ao redor dele, um carro meio enterrado
em destroços, janelas esmagadas e barulhos saindo, vozes de rádio arranhando as
ruínas. Ele viu pessoas vertendo água enquanto corriam, roupas e corpos ensopados
por sistemas anti-incêndio. Havia sapatos descartados na rua, bolsas e laptops,
um homem sentado na calçada tossindo sangue. Copos de papel passavam quicando estranhamente.
O mundo era isto também, figuras em janelas trezentos metros
acima, caindo para dentro de espaço vazio, e o fedor de incêndio de
combustível, e o rasgar estável de sirenes no ar. O barulho estava em toda
parte em que corriam, som estratificado acumulando ao redor deles, e ele
caminhou para longe dele e para dentro dele ao mesmo tempo.
Havia outra coisa então, fora de tudo isto, não pertencendo a
isto, acima. Ele assitiu aquilo descer. Uma camisa desceu pra fora da fumaça
alta, uma camisa erguida e deslizante na luz escassa e então caindo denovo, pra
baixo em direção ao rio.
Eles correram e então eles pararam, alguns deles, parados
ali oscilando, tentando puxar fôlego do ar queimante, e os gritos espasmódicos
de incredulidade, xingamentos e berros perdidos, e o papel juntou-se no ar,
contratos, currículos sendo assoprados, nacos intactos de negócios, rápidos no
vento.
Ele continuou andando. Alguns que corriam haviam parado e
outros desviando para ruas secundárias. Alguns caminhavam de costas, olhando
para o cerne daquilo, todas aquelas vidas se contorcendo lá atrás, e coisas
continuavam caindo, objetos incendiados trilhando linhas de fogo.
Ele viu duas mulheres aos prantos em sua marcha reversa,
olhando através dele, em shorts de corrida, rostos em colapso.
Ele viu membros do grupo de taichi do parque ali próximo, em
pé com mãos estendidas aproximadamente na altura do peito, cotovelos dobrados,
como se tudo isto, eles inclusos, poderiam ser colocados em um estado de
suspensão.
Alguém saiu de um restaurante e tentou passar para ele uma
garrafa d’água. Era uma mulher usando uma máscara de poeira e um boné de
baseball e ela tirou a garrafa e girou a tampa e empurrou-a de novo para ele.
Ele desceu sua pasta ao chão para pegá-la, quase ciente de que ele não estava
usando seu braço direito, que ele teve que descer a pasta antes de poder pegar
a garrafa. Três vans da polícia chegaram desviando para dentro da rua e
correram para o centro da cidade, sirenes soando. Ele fechou seus olhos e
bebeu, sentindo a água passar para dentro de seu corpo levando poeira e fuligem
junto com ela. Ela estava olhando para ele. Ela disse uma coisa que ele não
escutou e devolveu a garrafa e pegou a pasta. Havia um resquício de gosto de
sangue no gole d’água.
Ele começou a andar de novo. Um carrinho de supermercado
estava erguido e vazio. Havia uma mulher atrás do carrinho, olhando pra ele,
com fita de isolamento policial enrolada ao redor de sua cara e face, fita
amarela pedindo distância que marca os limites de uma cena de crime. Os olhos
dela eram ondulações finas e brancas na máscara clara e ela apertava a barra do
carrinho e ficava ali em pé, olhando para dentro da fumaça.
Em tempo ele ouviu o som da segunda queda. Ele cruzou a
Canal Street e começou a ver coisas, de alguma maneira, diferentemente. As
coisas não pareciam carregadas nas formas normais, a rua de pedras, os prédios
de ferro fundido. Havia algo criticamente ausente das coisas ao redor dele.
Elas estavam inacabadas, seja lá o que isto queira dizer. Elas não eram vistas,
seja lá o que isto queira dizer, janelas de lojas, plataformas de carregamento,
paredes pintadas a spray. Talvez seja assim a aparência das coisas quando não
há ninguém para vê-las.
Ele ouviu o som da segunda queda, ou sentiu-a no ar trêmulo,
a torre norte caindo, o temor macio de vozes na distância. Era ele caindo, a torre
norte.
O céu estava mais claro aqui e ele conseguia respirar com
mais facilidade. Havia outros atrás dele, milhares, enchendo a distância média,
uma massa em quase formação, pessoas caminhando para fora da fumaça. Ele
continuou até ter de parar. Atingiu ele rapidamente, o conhecimento que ele não
podia ir adiante.
Ele tentou dizer a si mesmo que ele estava vivo mas a ideia
era obscura demais para se firmar. Não havia taxis ou trânsito de qualquer tipo
e então uma velha caminhonete apareceu, Electrical Contractor, Long Island
City, que encostou e o motorista se inclinou na direção da janela do lado do
passageiro e examinou o que viu, um homem escamado em cinzas, em matéria
pulverizada, e perguntou a ele para onde ele queria ir. Não foi até ele entrar
na caminhonete e fechar a porta que ele entendeu para onde ele estava indo todo
esse tempo.
Tem tradução de gente de renome e que foi paga pra isto, aqui vai para os curiosos compararem. O texto original deve dar pra achar na função look inside do amazon.com
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