No clássico Donkey Kong
Country 2, os desenvolvedores do jogo encararam o desafio de fazer uma
sequência para um sucesso estrondoso como o do jogo original seguindo o caminho
da dificuldade aumentada: o que o primeiro jogo tinha de difícil-só-às-vezes o
segundo tinha de crueldade quase constante. Para dar uma variada na
jogabilidade quase idêntica (joguinho de plataforma estilo Mario em seu auge,
naquela época), trocaram o personagem-protagonista, Donkey Kong, por uma
macaquinha, Dixie Kong, talvez a primeira protagonista feminina em jogo de
plataforma tradicional graúdo da Nintendo (Metroid não conta) desde a princesa
peach naquele Mario 2 malucão.
O Dixie Kong tinha uma
característica especial: ao pular, poderia flutuar um tempinho antes de cair se
o jogador segurasse o botão do pulo. Em um jogo com vários buracos-sem-fundo a
serem evitados para conseguir se chegar até o fim das fases, trata-se de algo
próximo de um super-poder: ao conseguir a personagem, imediatamente troca-se
para ela, a não ser que o jogador prefira economizar esta capacidade para
momentos ainda mais difíceis, ficando com o personagem mais fraco só para que ele
poder morrer primeiro.
Dilema discussão-de-gêneros: como
entender este super-poder? A Dixie sendo melhor do que o personagem masculino
de imediato aponta para um empoderamento num esquema girl-power, we can do it
(mulher mostrando o muque), a preterição um caso raro se tratando de algo fora
do espectro tido como feminino (cuidar de casa, doente, neném, etc) de
atividades. Mas se pensarmos no esquema identificativo que existe em personagens de videogames
(brasileiros de início se revoltam com o Blanka sendo daquele jeito, faz-se
pesquisas sobre World of Warcraft perguntando a jogadores homens que jogam com
personagens femininas o porquê deles fazerem isto, etc), é possível pensar que
a personagem feminina sendo mais forte existe para que as garotinhas que fossem
jogar o jogo e automaticamente escolher a macaquinha (olha o cabelo dela!)
teriam menos dificuldade na hora de
enfrentar os desafios do jogo. Neste caso, seriam os desenvolvedores colocando
a habilidade das jogadoras abaixo da dos jogadores, dando a elas uma ajudinha.
E aí, o jogo é feminista (girl
power!) ou machista (“vamos facilitar para as meninas...”)?
Podemos ainda colocar mais duas
possibilidades: pode ser uma homenagem ao Mario 2, do NES, em que a princesa
peach tinha poder semelhante, ou os desenvolvedores do jogo decidindo depois de
desenhar todas as fases que a dificuldade do jogo precisava de uma atenuada e
que a personagem nova poderia comportar mais facilmente poderes novos do que o
personagem que já aparecia (sem este poder agora tão necessário) no jogo
antigo. Seria esse poder um aceno para o histórico dos jogos da Nintendo ou uma
questão técnica de design de jogos?
É possível pedir uma resposta aos
desenvolvedores de jogos, mas aí a pessoa que faz isto esquece de que nossos
atos não se resumem à nossas intenções (demorei pra sacar que intentional
fallacy tinha cabimento para bem mais do que só literatura). O ato, realizado,
está livre para ser interpretado, com o limite apenas (ainda assim frequentemente ignorado)
de se prestar atenção às especificidades do ato.
Qual desses quatro caminhos interpretativos escolher?
Se a pessoa passou a infância
jogando Super Nintendo e tem enorme carinho pelo hobby e hoje anda por esses
círculos que discutem gênero, vai adotar a interpretação Girl Power, querendo
defender um pouco os videogames dos ataques de lixo-cultural que até hoje
resistem em parte do discurso sobre eles.
Se o desejo é de se transmitir a imagem de uma pessoa extremamente crítica, extremamente exigente, extremamente incisiva
e dura, vai falar que o poder da Dixie Kong é machista, subestimando meninas,
dando a elas a ideia que tudo na vida que vale a pena ser conquistado será
conquistado pelo que ela tem de feminino (o poder de flutuar funciona num
esquema pigtail-helipcoter, isto é, o cabelinho bacaninha dela que é o poder),
etc etc.
Se a pessoa quer pagar de erudito
dos videogames (hahahahaha), vai falar que é homenagem ao Mario 2. Se quer
pagar de interessado-no-lado-técnico, o-importante-é-o-design-e-jogabilidade,
vai falar que o poder é uma necessidade do jogo e que tentar decantar sentido
disso é não entender que jogos são sistemas de interação e desafio etc etc
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