sábado, 25 de agosto de 2012

Abre aspas - Guerra aérea e literatura, W G Sebald


“No alto verão de 1943, durante um longo período de calor, a Royal Air Force, apoiada pela Oitava Frota Aérea dos Estados Unidos, fez uma série de ataques aéreos a Hamburgo. Apelidada de “Operação Gomorrha”, o objetivo dessa ação era aniquilar e incinerar a cidade da maneira mais completa possível. No ataque da noite de 28 de julho, que começou à uma hora da manhã, 10 mil toneladas de bombas explosivas e incendiárias foram descarregadas sobre a zona residencial intensamente povoada a leste do Elba, que engloba os bairros de Hammerbrook, NHamm Norte e sul, Billwerder Ausschlag, bemcomo parte de St. BGerog, Eilbek, Barmbek e Wandsbek. Seguindo um procedimento já experimentado, bombas explosivas de 4 mil libras despedaçavam inicialmente todas as janelas e as portas, arrancando-as dos caixilhos; com dispositivos incendiários leves, atingiam-se então os sótãos, ao mesmo tempo em que bombas incendiárias com um peso de até quinze quilos penetravam nos pavimentos mais profundos. Dentro de poucos minutos, em toda a área atacada – cerca de vinte quilômetros quadrados – queimavam fogueiras gigantescas que iam se juntando em tal velocidade que, quinze minutos após o lançamento das primeiras bombas, todo o espaço aéreo formava um mar de chamas contínuo, até onde se podia enxergar. E, cinco minutos depois, à 1h20, se ergueu uma tempestade de fogo com uma intensidade que nenhum ser humano teria imaginado possível até aquele momento. Chamejando por 2 mil metros céu adentro, o fogo arrebatava o oxigênio com tamanha violência que as correntes de ar atingiram a força de um furacão, e trovejavam como órgãos poderosos cujos registros tivessem sido acionados ao mesmo tempo. Esse incêndio durou três horas. No seu ponto culminante, a tempestade levantou frontões e telhados de casas, revirou pelo ar vigas e outdoors inteiros, arrancou árvores do solo e açoitou as pessoas em fuga como se fossem tochas vivas. Por trás de fachadas que desmoronavam, as chamas atingiam a altura dos prédios, rolando pelas ruas como uma torrente numa velocidade superior a 150km/h, e rodopiando em ritmos bizarros pelos espaços abertos, como cilindros de fogo. Em alguns canais a água incandescia. Nos vagões dos bondes, as janelas de vidro derretiam; o estoque de açúcar fervia nos porões das confeitarias. Os que fugiam de seus abrigos caíam em contorções grotescas no asfalto dissolvido, que rompia em volumosas bolhas. Ninguém sabe ao certo quantos morreram nessa noite ou quantos enlouqueceram antes que a morte os atingisse. Quando a manhã despontou, a luz do sol não atravessava a escuridão de chumbo sobre a cidade. A fumaça subira até uma altura de 8 mil metros e lá se expandira como uma gigantesca nuvem cúmulo-nimbo em forma de bigorna. Um calor latejante, que os pilotos dos bombardeiros relatarem ter sentido através da fuselagem de suas aeronaves, foi exalado ainda por muito tempo pelas montanhas de escombros fumegantes em brasa. Bairros residenciais com uma malha de ruas totalizando duzentos quilômetros estavam completamente arrasados. Por toda parte  havia corpos terrivelmente desfigurados. Em alguns ainda tremeluziam as chamas azuladas do fósforo, outros, assados, apresentavam uma cor marrom ou púrpura e tinham minguado a um terço de seu tamanho natural. Jaziam encolhidos nas poças de sua própria gordura já parcialmente resfriada. Em agosto, depois do arrefecimento dos escombros, quando as brigadas de prisioneiros e internos dos campos de concentração puderam dar início aos trabalhos de desobstrução no interior da zona da morte-  decretada área interditada logo nos dias seguintes ao ataque-, forma encontradas pessoas que, arrebatadas pelo monóxido de carbono, se encontravam sentadas à mesa ou apoiadas na parede; em outros lugares, havia pedaços de carne ou montes inteiros de corpos escaldados pela argua fervente lançada pelas caldeiras que explodiram. Outros, por sua vez, foram carbonizados e reduzidos a cinzas pela brasa que atingira a temperatura de mais de 1000c, a tal ponto que os restos mortais de famílias inteiras podiam ser retirados em um único cesto de roupa.
- Guerra aera e literatura, páginas 31-34 [tradução de Carlos Abbenseth e Frederico Figueiredo]

Um comentário:

  1. Do Sebald eu só li este livro de ensaios e o Austerlitz. O romance eu não gostei tanto, mas pode ter sido desatenção minha.

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