quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O morto do dia

Tenho alguma desconfiança em relação a um dos lugares-comuns favoritos de intelectuais (talvez tamanha predominância seja coisa de brasileiro ou de outros sistemas subalternos) de que a forma está inexoravelmente ligada ao conteúdo, que estética é também uma ética. Coisas do tipo "a estrutura deste romance denuncia entrelinhas fascistas", como algum autoritarismo inerente à terceira pessoa onisciente ou de que uma ausência de fragmentação hoje em dia necessariamente seria irônica. Acho que cada caso é um caso, e que moldes-de-leitura excessivamente específicos podem fazer com que o leitor ou crítico se torne aquela pessoa na eterna busca daquilo já definido, procurando nas obras dos outros confirmação daquilo que já sabe ou é.

Esta junção a meu ver meio problemática de estética e ética é mais fácil quando o assunto é arquitetura. Uma arquitetura que declaradamente não se importa com as pessoas que vão usar o prédio é uma arquitetura estúpida, autoritária, em que a Grande Ideia é mais importante e pode sacrificar qualquer conforto ou razoabilidade. Uma arquitetura que só negocia com a tecnologia e a força da gravidade e seus próprios ideias e nunca com as pessoas.

O fato da maioria de seus prédios pertencerem ao Estado só torna a coisa mais sinistra.

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Uma das minhas maiores alegrias ao morar em Belo Horizonte era falar mal dele. Lá, ele era praticamente um herói, orgulho de Minas, etc, e eu chegava com uma lista de umas dez histórias em que ele mostrava sua capacidade para o absurdo. De quando ele impediu a reforma acústica do teatro nacional porque ele estupidamente curtia carpete nas paredes, ainda que fosse péssimo para qualquer apresentação (musical ou não). Ou quando ele se colocou contra uma reforma que aumentaria significativamente a segurança do Eixo Rodoviário se justificando simplesmente com "não foi assim que eu imaginei Brasília" (e os governantes imediatamente cederam à sua exigência ridícula... como se ele tivesse desenhado a pista). De como ele até hoje defendia o Stalin sem reservas (sem nem as mínimas reservas com as quais o Heidegger deixou de  renunciar o nazismo) e todo mundo passava a mão na cabeça daquele orgulho brasileiro, eternamente gratos por termos alguém que a Civilização Desenvolvida gostou (bem menos que nós mesmos, claro, garbosos e felizes por sermos talvez um pouco mais que futebol e bunda).

Todo mundo que fala bem de Brasília (e eu não sou um deles) fala de como o desenho da cidade é fascinante, que Niemeyer é um gênio. Esquecem que o desenho da cidade é do Lúcio Costa, o Niemeyer  fez foi os prédios, prédios que precisam de luz acesa ao meio dia, prédios de sub-utilização estúpida de espaço, de uma tara perpétua por concreto, quase tudo parecendo ou prisão soviética ou aquário abandonado.

2 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=-qIjSCVwflU

    Quem realmente acha que ele não teve conhecimento do massacre?

    "Num país fudido como esse que importância teve isso?" 3:28

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  2. Vai tomar no cu. Minha pequena contribuição ao oportunismo perverso do seu texto.

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