domingo, 6 de janeiro de 2013

Plot-driven x character-driven

(foi mal se existem termos em português para o que vou discutir aqui, sempre vi isto sendo discutido em inglês mesmo)

Um dos primeiros contatos que tive com conversas sobre escrita foi bem antes de eu pensar em escrever, foram comentários a respeito de filmes em que algumas pessoas esmiuçavam as qualidades da história fazendo divisões em filmes que seriam plot-driven e outros que seriam character-driven: no primeiro caso, é um enredo maior que vai levando os personagens e a história adiante, enquanto no segundo são os personagens que ativamente fazem avançar o andar da história. 

Quando é plot driven, os personagens meio que reagem às coisas que vão aparecendo diante de si, e a ação tende a ser mais frenética. A pergunta na cabeça de quem está acompanhando a história é "o que vai acontecer com eles agora?". Quando é character-driven, a história se desenvolve mais a partir da interação  complexa dos personagens, a ação é mais lenta, a pergunta tende a ser "o que eles vão fazer agora".

(Claro em última instância é impossível manter esta divisão de forma perfeita e delineada e de não achar casos indefiníveis etc etc. Ainda assim acho que em muitos casos a coisa tem serventia)

No mundo dos seriados, Mad Men é character-driven e Breaking Bad (pelo que vi até agora, estou começando a terceira temporada) é plot driven. É só ver a facilidade com que se explica a premissa do Breaking Bad (que na verdade está toda amarradinha no primeiro capítulo), a de um professor de química que fabrica metanfetaminas após ser diagnosticado com câncer terminal para deixar alguma grana pra família, e comparar com a dificuldade de se explicar a premissa de Mad Men, uma agência publicitária nos EUA nos anos 60.

(sopranos é character driven, dexter é plot driven, etc etc)

Se a coisa não ficou muito clara pelo o que escrevi acima, um guiazinho tão simpático quanto simplificado disto: http://www.writersstore.com/character-driven-or-action-driven/

A dicotomia sempre é apresentada com uma superioridade do character-driven em relação ao plot-driven, o segundo seria típico de filmes de ação, de ficção científica (e outros gêneros imediatamente desqualificados como inferiores) e o primeiro seria mais "intelectual" ou "inteligente", ou "humano". O que se argumenta é que que o character-driven quase sempre é mais complexo (concordo), mais difícil de escrever (concordo) e mais realista, uma vez que na vida real as coisas apareceriam bem mais pelo lento desenvolvimento vindo das interações entre as pessoas do que surgindo de desígnios externos que vão arrumando/ordenando as coisas em um sentido único e rápido (a não ser em visões bisonhas de que deus escolheria tudo pra você na sua vida fazendo dela uma lição de qualquer coisa).

Esta última "superioridade" elencada das histórias character-driven, a do realismo, é que eu acho meio frágil, e tem origem em uma visão de mundo e de vida excessivamente tranquila. Sim, muito do que vivemos vem do lento desenvolvimento etc etc, mas uma grande parte das coisas mais importantes pelas quais passamos surgem do nada, completamente fora do nosso controle ou da nossa capacidade de previsão, e não parecem ter toda a complexidade e os matizes da forma character-driven de escrever. A imprevisibilidade da vida não é só a das pessoas que nos rodeiam.

O próprio Breaking Bad, que apesar dos bons personagens abraça totalmente o modo plot-driven de ser (a sequência de infortúnios fazendo a coisa toda beirar a peripécia) acaba mostrando um exemplo ótimo e rápido disto: é tudo impulsionado pelo diagnóstico de câncer, algo súbito e completamente fora do mundo de sutilezas do desenvolver lento de conflitos 

(inclusive, no mundo da ficção americana a doença súbita tende a ser vista como um atalho preguiçoso do escritor para a resolução de conflitos: se for colocar alguém ficando muito doente, coloque no início da história ou pelo menos faça com que ele demore muitos capítulos pra morrer).


A verossimilhança é possivelmente o eixo central na composição e na fruição de obras ficcionais, mas com o tempo e alguma reflexão fica claro que não se trata de categoria perfeitamente sólida e implacável como frequentemente vemos sendo invocada, imediatamente desqualificando uma obra inteira por algo improvável ou súbito que tenha acontecido. Nossa apreciação de filmes, livros e seriados, depois de tantos filmes, livros e seriados, acaba ficando viciada em caminhos já trilhados, em espaços já consagrados, em fórmulas (mais visíveis em arte comercial, mas existentes também em obras artê) que às vezes fazem com que torçamos o nariz rápido demais, sempre apressados para desqualificar o que não conhecemos.

2 comentários: