quarta-feira, 9 de março de 2016

Notinha sobre Delillo (versus Cormac)


Revisitando Ruído Branco outra vez, depois de ter passado por toda a obra madura do Delillo (Ruído Branco até Ponto Ômega), percebo que meu entendimento anterior sobre a obra dele em relação à do Cormac McCarthy estava bastante equivocada. Eu tomava a grandeza dos dois como a riqueza ou pelo menos amplitude que existe no campo do triunfo literário, na possibilidade de se escrever uma grande obra partindo de premissas radicalmente diversas: Delillo com seu fascínio/medo por tecnologia e registro tenso, nervoso-paranoico, provavelmente seria lido com desgosto pelo Cormac, interessado no ímpeto primitivista do ser humano, em toda sua violência latente, na incomensurável indiferença do universo.

O niilista diz ao paranoico: como você é metido.

Duas semelhanças surgem, no entanto, e me sinto até constrangido de ter demorado a leitura de tantos livros de ambos autores para perceber. Primeiramente, o entrelaçamento indissociável de fascínio-e-medo como modo de percepção de mundo:  em Delillo, pelo mundo tecnológico construído em categorias que pouquíssimas pessoas conseguem acompanhar e que no entanto afetam a todos, e em Cormac, pela natureza, que provê e ao mesmo tempo destrói, encanta e apaga a existência sem qualquer pensamento, um burrico escorrega desfiladeiro abaixo podendo igualmente ter sido você, sem que tenha alguém que ache isso realmente lamentável.

Mas o que figurou como principal, para mim, é o uso distorcido da retórica. São dois autores que colocam figuras para falar longamente a respeito de suas teorias bizarras e razoáveis a respeito do que constitui a realidade, seja a permanência da guerra e do nada, no caso de Cormac, ou da instabilidade e ininteligibilidade do chão mais básico de sentidos do ser humano no mundo midiático, no caso de Delillo.

E no caso dos dois autores, frequentemente são questões tangenciais à “trama” principal do livro, a ponto de frequentemente não só confundirem o leitor no momento em que acontecem como também terem certo desencaixe em relação ao andamento da ação: a figura ascende ao púlpito não como culminância ou solução do que “acontece” na obra, e sim, principalmente, como parte do cenário, tanto quanto o deserto inclemente estirado de ossos de viventes esquecidos no Cormac quanto nos desfiladeiros de arranha-céus espelhados, vazios ou cheios, em que decisões incompreensíveis são tomadas para afetar e até definir nossas vidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário