sábado, 21 de dezembro de 2013

Preâmbulo do Suttree, traduzido

Um parto árido, traduzir este troço. Três páginas, em bem mais do que três horas.

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Caro amigo agora nas empoeiradas horas semrelógio do município quando as ruas jazem negras e fumegantes na esteira dos caminhões-pipa e agora quando os bêbados e os sem-teto lançados às praias apoiados por paredes em becos ou lotes abandonados e gatos avançam de ombros altos e se inclinam nos perímetros cruéis dos arrabaldes, agora nesses corredores de tijolo ou godo enegrecidos de fuligem onde as sombras dos fiosdeluz fazem uma harpa gótica de portas de porão alma nenhuma andará salvo você.

Velhas paredes de pedra insondadas pela meteorologia, alojadas em seus estriados ossos fósseis, escaravelhos de calcário pregueados no chão deste outrora mar interno. Árvores finas e escuras através das estacadas férreas além onde os mortos mantém sua própria pequena metrópole. Curiosa arquitetura marmórea, estela e obelisco e cruz e pequenas pedras desgastadas pela chuva onde nomes se obscurecem com os anos. Terra abarrotada com amostras do ofício do fazedor de caixões, os ossos empoeirados e seda apodrecida, mortalhas manchadas de carniça. Lá fora sob a luz azul da lâmpada os trilhos de carrinho rodam para a escuridão, encurvados feito esporões de galos no crepúsculo pechisbeque. O aço vaza de volta o calor do dia, você pode senti-lo pelos chãos dos seus sapatos. Depois dessas enrugadas paredes de armazém descendo pequenas e arenosas ruas onde automóveis estourados amuam em pedestais de concreto. Através de viveiros de sumagre e uva-de-rato e madressilva dando para os bancos de barro marcados da ferrovia. Vinhas cinzas enroladas pela esquerda neste hemisfério norte, o que as serpenteia molda as conchas do mar. Ervas daninhas brotam de cinzas e tijolos. Uma pá a vapor erguida em abandono solitário contra o céu noturno. Cruze aqui. Perto das agulhas e das eclises onde motores tossem feito leões no escuro do patio. Para um município mais escuro, depois de lâmpadas cegadas por apedrejamento, depois de choças oblíquas e fumegantes e cães de porcelana e pneus pintados onde crescem flores sujas. Pavimentos térreos rachados de ruínas, lento cataclismo da negligência, os fios que barrigam poste a poste cruzando as constelações dependurados de fios de pipa, engravatados com pedaços de gargalos de garrafas ou brinquedos das crianças mais pequenas. Acampamento dos amaldiçoados. Recintos talvez onde leprosos gotejantes erram sem sinos. Acima o calor e a improvável linha do céu da cidade uma lua de latão ascendeu e as nuvens escorrem feito tinta aguada. Os prédios estampados contra a noite como um baluarte direcionado a um abandonado mundo mais adiante, velhos propósitos esquecidos. Conterrâneos vem por milhas com a terra agarrada aos seus sapatos e sentam o dia inteiro como mudos no mercado. Esta cidade construída sob nenhum paradigma conhecido, arquitetura vira-lata lendo pra trás por meio das obras do homem em uma breve delineação dos aberrantes desordenados e loucos. Um carnaval de formas aprumado na planície fluvial que secou a seiva da terra por milhas do arredor.

Paredes das fábricas de tijolo velho e escuro, trilhas de uma linha de espora crescida com ervas daninhas, um curso de drenagem azul e putrefato onde filamentos escuros de impurezas sem nome balançam na correnteza. Painéis de estanho entre vidros nas molduras enferrujadas das janelas. Há um riso em forma de lua no globo da lâmpada de rua em que uma pedra foi e deste orifício ali venta abaixo pelo helix constante de insetos desejosos uma esvaída e contínua chuva das mesmas formas queimadas e sem vida.

Aqui na boca do riacho os campos correm até o rio, a lama em delta e despindo de seu rico aluvial ossos abrigados e lixo medonho, um sargaço de madeira de caixotes e camisinhas e cascas de frutas. Latas velhas e jarros e artefatos caseiros arruinados que se erguem do atoleiro fecal das planícies como pontos de referência nas áreas sem rastros da plaina de dementia praecox. Um mundo além de toda fantasia, malevolente e tátil e dissociado, as lâmpadas explodidas como pólipos tosquiados semitranslúscidos e cor-de-caveira balançando cegamente em descida e espectrais olhos de óleo e agora de novo as formas encalhadas e fedorentas de humanos fetais inchados como jovens pássaros de olhos arregalados e azulados ou de um cinza rançoso. Além no escuro o rio flui em um lodo indolente direcionado aos mares meridionais,  saindo correndo do milho achatado pela chuva e outros plantios triviais e jardins do barro do rio de donos de terra continente acima, raspando seu caminho como pó ósseo, carretado com o passado, sonhos dispersados na água de alguma maneira, nada jamais perdido. Casas flutuantes correm pelas suas amarras. A lama da maré morta pela costa jaz acanelada e escorregadia como a cavernosa posta de peixe de alguma besta imensamente naufragada e além o continente se desenrola para o sul e às montanhas. Onde caçadores e mateiros uma vez dormiram em suas botas diante da luz morrediça de suas mil fogueiras e seguiram adiante, velhos antepassados teutônicos de olhos incandescidos pela luz visionária de uma rapacidade massiva, onda após onda dos violentos e insanos, seus cérebros atiçados com análogos sem rasto de tudo que já foi, arianos esguios com seu revogado livreto semítico reencenando dramas e parábolas nele contidas e esvaziados de pensamentos e pálidos com uma ânsia que nada salvo a total restituição das trevas poderia aplacar.

Nós somos vindos a um mundo dentro do mundo. Nestes alcances alienígenas, nestes afundamentos malgrados e devastadas terras intersticiais que os justos vêem de carruagem e carro outra vida sonha. Malformados ou negros ou degenerados, fugitivos de todas ordens, estrangeiros em qualquerterra.

A noite está quieta. Como um campo antes da batalha. A cidade assaltada por uma coisa desconhecida e virá da floresta ou do mar? Os encarregados do muro emparedaram as paliçadas, os portões estão fechados, mas eis que a coisa está dentro e pode você adivinhar sua forma? Onde ele é mantido ou qual a medida de seu rosto? Será ele um tecelão, uma lançadeira ensanguentada arremessada por uma deformação no tempo, um cardador de almas do tecido do mundo? Ou um caçador com seus cães ou carregam sua carreta morta cavalos de osso pelas ruas e chamaria ele seu ofício para cada um? Caro amigo ele não é algo no qual se pode alongar pois é por este expediente que ele é convidado para dentro.

O resto de fato é silêncio. Começou a chover. Chuva leve de verão, você consegue vê-la caindo inclinada nas luzes do município. O rio jaz em um graal de quietude. Aqui da ponte o mundo embaixo aparenta um presente de simplicidade. Curioso, não mais. Embaixo aqui na gruta de luz caída um gato transpira de pedra a pedra através de godos preto líquido e costurado em rápidos antípodas sobre a rua chuvaescura  para sumir gato e contragato nas obras fendidas além. Iluminação pálida de verão longe rio abaixo. Uma cortina está ascendendo sobre o mundo ocidental. Uma chuva fina de fuligem, besouros mortos, pequenos ossos anônimos. A audiência senta enteiada em pó. Nas cavidades oculares evisceradas da caveira do interlocutor uma aranha dorme e as ruínas em junção do tolo enforcado dependuram-se das moscas, pêndulo ósseo variegado. Formas quadrúpedes vão pra lá e pra cá por cima das tábuas. Formas mais rudes sobrevivem.

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